Grumixama, Gravatá, Curriola ou salada mista?

Grumixama, Gravatá, Curriola ou salada mista?

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Gabiroba, uma frutinha típica do Cerrado que fez a alegria de muita criança criada no inteiror e que, infelizmente, não encontramos à venda. Foto: Gabriel PretelGabiroba, uma frutinha típica do Cerrado que fez a alegria de muita criança criada no inteiror e que, infelizmente, não encontramos à venda. Foto: Gabriel Pretel

Se você, assim como eu, é um daqueles sujeitos que adoram cultivar flores, folhagens ou até mesmo ervas espalhadas pela casa toda, tenho certeza que em algum momento você já ficou pistola com aquela quantidade absurda de mato que parece surgir da noite para o dia nos seus vasos, e que faz todo mundo pensar que você é um desleixado que não sabe sequer cuidar de uma planta. Não é verdade? Mas e se eu disser que esses matinhos, que tiram você do sério, podem ser a estrela de um prato à la MasterChef?

Erva-de-galinha, serralha, picão-branco, fazendeiro-peludo… Dependendo da região em que você estiver lendo este artigo, estes nomes podem soar nadica ou muito familiar para você. Consideradas ervas daninhas pela maioria de nós, analfabetos botânicos e viciados em alface, estas plantas fazem parte do maravilhoso mundo das PANC – Plantas Alimentícias Não Convencionais.

Lá em 2008, o biólogo e professor Valdely Kinupp, trocando uma ideia com sua amiga e nutricionista Irany Arteche, criou este acrônimo a fim de identificar e catalogar toda planta comestível que nasce de forma espontânea ou subespontânea em canteiros, praças, sarjetas, ruas, muros e até em telhados. Plantas que, devido à nossa falta de conhecimento e uma alimentação cada vez mais sem graça e ultraprocessada, são pisoteadas e descartadas, enriquecendo apenas as lixeiras com todo o seu valor nutritivo.

Caríssima nas lojas de especiarias, a pimenta-rosa, frutinha da Aroeira, costuma ser utilizada na abororização urbana. Uma delícia com chocolate! | Foto: Gabriel Pretel

 

Saca só. Estamos tão acostumados com a mesmice, tão acomodados, tão descuriosos, que a nossa chucrice gera um prejuízo avassalador, e a gente nem se dá conta disso. Segundo Valdely, cada hectare de área agricultável pode gerar, mais ou menos, de 4 a 5 toneladas de PANC. É muita comida! E, pasmem, tudo isso é simplesmente desprezado. “Se ao menos fossem utilizadas na alimentação de animais de criação, mas nem isso. Alimentar-se com PANC gera saciedade. Por ser alimento de verdade, comida que não foi ultraprocessada, a gente tem mais energia. Essas plantas são fantásticas para resolver os problemas de carência nutricional”, ressalva ele.

Valdely estima existir, só no Brasil, coisa de 10 mil espécies de vegetais com forte potencial alimentício. E pensando justamente em nós, que não manjamos aparentemente NADA de botânica, ele organizou o primeiro livro de identificação PANC, publicado pela editora Plantarum, com mais de 350 plantas catalogadas. Basta virar algumas página e a gente já descobre que até a flor que enfeita o jardim cafona do principal shopping da cidade pode ir parar no nosso prato, dando ares de requinte e muito sabor.

Típico da Amazônia, o cumaru vem conquistando seu espaço na gastronomia graças ao seu sabor e aroma marcantes, fazendo lembrar a baunilha | Foto: Gabriel Pretel

Por mais que você possa não ter sido o aluno nota 10 de geografia nem de biologia, eu aposto que você sabe — pelo amor de Deus, não me decepcione — que o nosso país é imenso e que, devido a isso, temos diversos biomas, certo? Pois pensando propriamente na riqueza dessa nossa incrível biodiversidade, eu quis saber do Valdely qual era a opinião dele sobre o fato de termos uma alimentação, digamos, pra lá de chula, e ele foi simples e direto: “É porque a gente curte xenofilia”. Uma busca rápida no dicionário e descobrimos que esse treco, cujo nome soa como algum fetiche bizarro, significa apreço e valorização acentuados de pessoas e coisas estrangeiras. Faz sentido! Quer ver só?

Por nascer em tudo quanto é canto, a beldroega é considerada por muitos uma verdadeira praga, e seu sabor é muito parecido com o do aspargo | Foto: Gabriel Pretel

 

Para entender de forma mais lúdica a resposta do Valdely, proponho um desafio! Você vai fechar os olhos e vai pensar nos vegetais que você consome com mais frequência, beleza? Um… dois… três… Valendo!

Coloco um dos meus braços em jogo se você não tiver pensado em alface, couve, cenoura e, quem sabe, em repolho. E o que isso tem a ver com o que o Valdely falou? Bem… Nem mesmo uma dessas plantas é nativa do Brasil. E se bobear, 90% dos vegetais que você consome diariamente também não. Xenofilia, meus caros! “Somos destaques na produção de cana, café, soja e laranja… todas exóticas. Alguém já ouviu falar que o Brasil é o maior produtor de algum alimento vegetal genuinamente brasileiro?”, questiona Kinupp, cabendo aqui aquele lindo meme da Nazaré Tedesco confusa.

Rosa-madeira, PANC também chamada de ora-pro-nóbis e uma das queridinhas na montagem de cerva-viva. Tanto as folhas quanto as flores são comestíveis | Foto: Gabriel Pretel

A parada, no entanto, não fica restrita aos legumes e verduras, não. O mesmo acontece com as frutas. Na primeira vez que conversei com o Valdely, já há algum tempo, minha cara queimou de vergonha quando ele mandou que eu citasse ao menos duas geleias que eu conhecia e que fossem feitas com frutas nativas do Brasil. “Mais de 500 anos e não temos geleias de cambuci, de pitomba, de buxixu ou mapati”, critica ele.

No entanto, fugindo da monotonia alimentar e fazendo com que até os deuses da gastronomia curvem-se diante o sabor do não convencional, chefs de renome como Alex Atala (D.O.M), Ivan Ralston (TUJU), Helena Rizzo (Maní), Paola Carosella (La Guapa/Arturito) e Felipe Schaedler (Banzeiro) introduziram diversas PANC no menu de seus estabelecimentos, despertando a curiosidade e, principalmente, o paladar de seus frequentadores, seja com uma empanada de taioba, um sorbet de lírio-do-brejo, ou um prato especial à base de ora-pro-nóbis.

Sobre o chef Felipe, numa conversa que tivemos, ele me contou que foi o próprio Valdely que o apresentou às PANC. Os dois moram em Manaus, e a convite do biólogo, o chef se enfiou em plena floresta amazônica para um workshop sobre as Plantas Alimentícias Não Convencionais. No final, ele estava tão apaixonado que fez igual ao Ralston, montou uma horta em seu restaurante, dedicando um cantinho especial para esses “matos”. “As pessoas têm preconceito do novo, por isso elas têm medo de provar algo diferente daquilo que elas estão acostumadas a comer”, comenta Schaedler, que, num surto de pura ousadia, já criou prato até com vitória-régia.

Taioba é certamente a PANC mais conhecida de todas, sendo bastante apreciada em Minas: Foto: Gabriel Pretel

 

Muito do que hoje é tido como não convencional foi bastante consumido no passado — arrisco dizer que sua avó já comeu muita taioba, pergunte a ela! — e, por algum motivo, o hábito se perdeu. O lance, segundo pensa Valdely, “é resgatar esses sabores e driblar o marasmo à mesa”.

Neste ponto você deve estar se perguntando como então saber se um mato é PANC ou não. Veja só… Valdely acredita que “quando se demanda grandes explicações do que é, seus nomes, formas de consumo e preparo, e ainda ter de mostrar imagens para que as pessoas possam ter alguma ideia do que seja, isso é, com certeza, uma PANC, porque não faz parte do uso corrente”.

Pizza recheada com flores típicas de jardins e praças de qualquer cidade | Foto e receita: Gabriel Pretel

Mas isso não quer dizer que é pra você sair por aí feito uma lagarta ensandecida comendo toda planta cujo nome e utilização não sejam conhecidos. Bom senso é tudo, e vale pra isso aqui também! O ideal é sempre manter a curiosidade ligada e buscar conhecimento, trocando ideia e informações com quem pesquisa o assunto. Porém se você já manja um “cadinho” sobre PANC e não consegue encontrar a sua favorita nas feiras, ainda que seja a taioba ou a ora-pro-nósis, as mais comuns entre as não comuns, o Valdely tem uma dica de ouro: “Encomende. Seja insistente, pois demandas tendem a gerar ofertas”.

Um fato curioso é que uma planta pode ser PANC numa região e não ser PANC em outra região. O que quero dizer é que o que é comum aqui pode não ser comum em Manaus, por exemplo, e vice e versa. Também vale ressaltar que a denominação PANC vale, ainda, para as Partes Alimentícias Não Convencionais de uma Planta Convencional, como é o caso do mangará (umbigo da bananeira) e do caule do mamoeiro. Ah!!!! E uma PANC pode deixar de ser PANC. Mas tudo isso é assunto para as próximas edições. Por isso convido a você ficar de olho por aqui… Vamos falar bastante sobre PANC e trocar muiiitas receitas — a maioria estranha, confesso —, mas que prometo que farão sucesso quando você reproduzi-las em casa. Até mesmo as rosas que você receber podem acabar virando PUDIM. Vai perder?

Comum nesta época do ano, além de linda, a cássia-imperal deixa qualquer prato espetacular | Foto: Gabriel Pretel

 

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