Meu primeiro restaurante

Meu primeiro restaurante

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Deus me livre lembrar o ano, mas a memória é clara. As mesas batiam no meu pescoço e eu podia enxergar com visão privilegiada o que todos comiam ali. A primeira vez que fui a um restaurante, foi com meus tios. Eles eram, de certa forma, um casal da sociedade, faziam parte de clubes filantrópicos e na época tinham dinheiro pra levar os filhos e uma sobrinha de brinde a um dos pontos de encontro da nata ribeirão-pretana. Nem sei se era assim, nossa, a nata, mas, pra mim, era chique de doer.

Se chamava Chopin. Era uma choperia anexa a um campo de futebol – que não sei se era Comercial ou Botafogo. Na primeira vez lá, senti o cheiro de carne bem forte e ouvi, pela primeira vez, talheres tilintando ao serem arrumados para alguém comer.

Na entrada, havia uma mesinha com suco rosa. Era batida de morango com leite condensado e pinga. Eu bebia como se não faltasse uns 10 anos para eu realmente poder beber aquilo. Era mágico. “Pode pegar, tia?”. Pode. Eu podia tudo.

Os pratos brancos com riscos que denunciavam o uso. Guardanapos dobrados. Taças pequenas para tomar água e coca-cola. No alto dos meus oito anos, tomar coca em uma taça era uma experiência. Meus pés nem alcançavam o chão, que era um pouco ensebado.

Vinham com espetos de carne do meu lado e cortavam fatias muito fininhas de uma coisa que eu nunca tinha comido até então. O sabor do carvão, as bordinhas queimadas, o gosto de bicho. Meu deus, comer churrasco daquele jeito era bom demais. Em casa, meu pai fazia uma carne tão bem passada que o bife parecia um fóssil. Até hoje é assim.

No Chopin tinha pessoas bem vestidas, fumavam lá dentro entre uma garfada e outra, conversas amistosas e música ambiente. Os barulhos se misturavam tudo, a comida descia com gosto. Eu estava em um restaurante muito chique.

Nunca tinha visto uma pista fria. Aqueles palmitos monstruosos, eu coloquei cinco pedaços de uma vez no prato e eles saíram rolando pelo salão. A batata frita perfeita. Azeitona à vontade. Sou do tipo que janta azeitona desde criança. E a bebida do diabo, colorida, de graça, na porta, pra dizer as boas-vindas. Saí tonta desse lugar um par de vez.

Fui algumas vezes nesse restaurante, pequena ainda, e até hoje lembro do cheiro e do gosto da carne que comi lá. Antes de morrerem, meu tio e minha tia ostentaram uma vida como pregava o figurino: fazendo caridade, discutindo em casa, ele arrumando amante, ela um câncer.

Ela morreu em um domingo de Páscoa, depois de pedir uma bacalhoada. Ele, diabético, depois de se entupir de torresmo 10 anos depois. O restaurante fechou.

E a comida faz parte da nossa memória mais remota. Começa e acaba com a gente. Seja qual for o contexto.

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