O legume energúmeno

O legume energúmeno

- em Artigos
Folhas verdes. Soyoung Park via UnsplashFolhas verdes. Soyoung Park via Unsplash

Quando eu era criança fazia birra para comer as coisas que meus pais colocavam no prato. Alguns legumes e verduras eram para mim mais difíceis que outros. Besta eu, que só descobri tempos depois que eram saborosos. Hoje em dia a gente tem lidar é com o major Almeirão. Povo todo na endívia financeira. A chicória da sociedade faz legumes amargos parecerem caramelo.

Essa evolução do nosso paladar, desde quando somos bebês até sermos mais velhos e sábios é interessante. Os sabores amargos e azedos são sempre o que rejeitamos primeiro. É sabido que desde os primórdios nos defendíamos dos perigos do comer. Li em uma matéria que o paladar é nossa “impressão digital” e achei aquilo incrivelmente bem colocado (AQUI). Formamos nosso paladar de acordo com nossas vivências, nossa cultura, nosso solo. O paladar é nosso próprio terroir, caminhando também por questões financeiras até nossa digestão e saúde.

Come rúcula, come almeirão, come escarola, endívia. As coisas verdes e amargas são sempre as mais detestadas? Eu nunca tive problemas com o espinafre, até adorava mesmo. Meu filho ao contrário, tinha pavor. Para ele o espinafre era um energúmeno. Dava medo nele. Afastava o garfo fazendo uma lambança no chão que me deixava ainda mais nervosa. Um dia falei firme “ABRE A BOCA”. Ele com os olhos todos marejados e me olhando com decepção, havia perdido o combate. Começou a mastigar, mastigar, mastigar ao infinito e além. Mas, veio aquele sentimento de “não vou conseguir engolir” e em uma ânsia, ele cuspiu todo o espinafre em mim. Energúmena fiquei eu.

Somos programados para ter prazer em coisas específicas. Um professor americano de uma universidade em Baltimore, David Linden, diz que “alimentos, água e relações sexuais” são nossos prazeres básicos. Eu colocaria mais algumas coisas na lista de deleites fundamentais, mas concordo que esses são nosso “top 3” (AQUI). As experiências que são significativas para nós, têm mais chances de serem marcadas e conectarem gatilhos de coisas boas no seu futuro.

Espero que os pais de hoje em dia sejam capazes de ajudar seus filhos a entenderem que na alimentação a gente não vive apenas de sentir prazeres fáceis. Não é viver apenas de brigadeiro e felizes prazerosamente que vai fazer com que se viva bem. A alimentação é muito mais complexa do que pode parecer para quem não se lembra que é nosso combustível básico. Comer nutrientes melhores, alimentos mais complexos em uma dieta equilibrada é o que nos fez chegar até aqui. A educação precisa ser desde cedo, assim aprendemos que uma coisa é saber diferenciar o que é veneno do que é fora da nossa zona de conforto.

Os energúmenos hoje em dia somos nozes, a coisa tá feia para chuchu. Chá de boldo hoje em dia seria melhor que chá de Bozo. Tem que tirar o Quiabo do poder.

Você também pode gostar

Fermentar é um ato político

Quem vê um vidro de chucrute fermentando ou uma marca de cerveja artesanal local numa feirinha, talvez não imagine o quanto isso é realmente revolucionário.