9 anos de Seasons “tava tudo perfeito, inclusive a cerveja”

9 anos de Seasons “tava tudo perfeito, inclusive a cerveja”

- em Entrevistas
Livro harmonizando com cerveja. Foto: arquivo pessoal

Algumas figuras do mercado cervejeiro a gente não sabe quando conheceu. Existe uma mitologia sendo formada a todo instante e muitas histórias podem ser contadas. A Seasons é uma dessas cervejarias que todo mundo conhece, mas as vezes nem sabe se bebeu. A Green Cow é uma dessas lendas. O tipo de cerveja que faz com que muitas pessoas se apaixonem, muitas pessoas resolvam fazer cerveja, muitas pessoas tenham ótimos momentos. A Seasons é a história dentro da história, uma bandeira dessa revolução, que foi fincada com força no mercado artesanal.

No site da cervejaria, contei 19 rótulos. Mas lá não tem aquele textão com o conceito de story telling. Não fala sobre os 9 anos de marca. Não conta como tudo começou. Não satisfeita, fui falar com o Leonard Sewald, cervejeiro e um dos sócios da marca. Com esse número cabalístico de aniversário, bolei 9 perguntas essenciais para você saber tudo o que precisa da história de como a vaca chegou até aqui e não atolou nesse brejo.

F.M. 1. Qual foi sua primeira cerveja, a que te marcou em sabor?

L.S. Essa é daquelas histórias que provam que a nossa memória emocional é poderosa. Em 1998 eu tive a felicidade de ganhar um prêmio na escola onde estudava inglês e tive a oportunidade de realizar um pequeno, mas memorável intercâmbio nos EUA para realizar um curso de aprofundamento na língua inglesa, sendo que fui parar numa cidadezinha do interior do estado da Geórgia. Naquela época eu ainda não conhecia cerveja artesanal, mas já era um ávido consumidor de cervejas e colecionador de latinhas. Pois essa viagem marcou demais a minha juventude em diversos sentidos, sendo a cereja no bolo uma grande festa de encerramento do curso bem à moda American Pie na casa de um dos colegas! Fui convocado a ir junto buscar a cerveja da festa em uma liquor store e um dos meus colegas, ao reparar que eu estava investindo um bom tempo olhando para os diversos rótulos na geladeira, me falou: “aquela ali é bem boa!”, apontando pra uma garrafinha de rótulo verde chamada Sierra Nevada Pale Ale. Comprei porque achei bonita…

A noite da festa provou ser um momento inesquecível, daqueles onde você se lembra, vividamente, de todos os detalhes: das músicas que estavam tocando, das pessoas, dos lugares, das comidas… e das cervejas. Tudo fica exacerbado na sua mente. Eu não sabia descrever o que havia sentido ao provar uma Sierra Nevada em 1998, apenas poderia dizer que “tava tudo perfeito, inclusive a cerveja”. O momento ficou armazenado na minha memória pra sempre.

Carol e Leo, Estados Unidos, 2010. Arquivo pessoal.

Fast forward pra idos de 2003: visitando um pub em Porto Alegre com colegas de trabalho (na época, ainda trabalhava na indústria de TI, de onde tive a minha formação como Cientista da Computação), reparei que no cardápio estava escrito “cervejas artesanais”. Resolvi provar uma cerveja “novidade da casa” chamada Eisenbahn Pale Ale. Daí veio a epifania, ou o que gosto de chamar de “Momento Ratatouille” (fazendo alusão a aquele momento onde o crítico gastronômico prova o Ratatouille que o faz voltar à infância): voltei para aquele momento mágico onde estava me sentindo nas nuvens lá em 1998, e a Pale Ale da Eisenbahn, apesar de hoje saber que é diferente de uma Sierra Nevada, com o meu paladar da época foi suficientemente parecida e mais do que adequada para servir como fio condutor e me carregar de volta para aquele momento mágico… Eu fiquei parado olhando pro copo enquanto os meus amigos riam da minha cara quando eu tentava explicar pra eles que “caras, é tipo essa aqui! É isso!”. Dali pra diante a cerveja artesanal foi, literalmente, um caminho sem volta pra mim.

F.M. 2. Como é decidir entre fazer cerveja e ganhar dinheiro?

L.S. Isso é algo que muita gente me pergunta… É uma decisão complexa. Eu já tinha uma formação, uma profissão, um emprego estável e uma boa renda. Teoricamente não haveria motivo nenhum para largar toda essa estabilidade. Mas empreender é um vício, é quase uma doença, na verdade. Sobretudo, é algo que exige muito auto-conhecimento: Saber até onde e até quando aguenta pressão, seja ela externa (clientes, fornecedores, parceiros), interna (problemas ligados aos processos internos ou ao produto, pressão financeira, psicológica); saber quais as suas habilidades técnicas e sociais; descobrir quantas horas você consegue aguentar acordado e manter a concentração; descobrir quantos “nãos” quebram o seu espírito (e como você faz para recolher os estilhaços e se levantar, porque você PRECISA se levantar); entender quais as suas maiores deficiências e como você vai fazer para contorna-las… Em resumo, abrir uma cervejaria não é uma corrida: é uma grande maratona. Logo, precisa ser algo onde você seja realmente apaixonado pelo que faz todos os dias.

Leo gosta dos desafios do empreendedor e não tem medo do amargor. Foto: por Rafael Bittencourt

A veia empreendedora é de família, na verdade: meu pai sempre teve empreendimentos próprios, por muitas vezes realizando uma dupla jornada onde cuidava dos seus negócios à noite e trabalhava em um emprego fixo durante o dia. Um empreendedor é como um caçador: quando ele vê uma boa oportunidade, ele sai em disparada em direção ao seu objetivo com um ímpeto incontrolável, nada consegue para-lo; às vezes nem ele mesmo. Trocar a estabilidade pela montanha-russa do empreendedorismo é uma decisão difícil, mas pra quem gosta de empreender, é praticamente inevitável.  Além disso, tenho a sorte de a Carol, minha esposa (e sócia), ser uma grande incentivadora minha e também gostar de cerveja pra me dar aquele empurrãozinho quando eu fico naqueles momentos de “será que eu vou?” Ehehehe…

Ilustração da vaca é do Leo Garbin (AQUI).

F.M. 3. Por que a vaca?

L.S. Essa é fácil: culpa da Carol, ela adora vacas! Quando estávamos escrevendo o plano de negócios do que viria a ser a Seasons, a Carol queria que uma cerveja tivesse um nome que fizesse alusão a vacas, como uma forma de celebrar a importância que este animal tem no processo de fabricação de cerveja, por ser uma das principais consumidoras do resíduo de malte de cervejarias. A história conta que, certa feita, uma vaca que tinha manchinhas pretas comeu bagaço de malte misturado com lúpulo… Lúpulo é verde, as manchas da vaca ficaram verdes. Fim da história. Eis que surge o nome Green Cow.

A Green Cow foi a primeira cerveja que lançamos em garrafas e, quando nossos consumidores viram aquela vaca praticante do “deboísmo” pastando um lúpulo no rótulo, eles deram risada e perguntaram pra gente: “e o que a vaca vai estar fazendo nos outros rótulos?”. Basicamente, nós decidimos receber e adotar um input do nosso consumidor que, em outras palavras, nos disse que “essa sacada maluca de adotar um mascote talvez seja uma boa ideia…”. Passados 9 anos, acho que deu pra ver que a vaca é muito mais do que apenas um mascote: ela virou um personagem da empresa, assumindo diversas formas, traços, cores e sabores… 🙂

F.M. 4. Qual a importância da arte na produção de cerveja?

L.S. O artesanato é uma das formas de expressão criativa do homem, assim como a arte e a ciência. Nesse sentido, eu vejo a cerveja como algo que pega conceitos das artes e das ciências para complementar o trabalho artesanal e dar luz a algo multi-facetado. Não falo somente da ilustração de um rótulo: o processo criativo por trás da concepção de uma receita, o pensamento exploratório, o método científico para adotar mudanças de maneira sistemática, a forte influência histórico/cultural… a cerveja é muito mais do que só uma bebida, é uma obra artesanal onde o mestre-cervejeiro a utiliza como forma de expressão. Pra mim a cerveja de verdade é um produto da indústria do entretenimento, com múltiplos propósitos que mexe com o emocional das pessoas (afinal de contas, a gente bebe seja na celebração ou quando estamos afogando as mágoas, não é mesmo?! :-D).

F.M.  5.O que as leveduras são para você?

L.S. São elas as cervejeiras de verdade. Enquanto cervejeiro, sou só um faxineiro de luxo e babá de fermento. Tenho um carinho especial pelos nossos queridos fermentos e me orgulho muito de dizer que iniciamos a Seasons com um laboratório desde o primeiro dia de empresa, pois como cervejeiro, já sabia da importância que um bom controle de qualidade tem em uma cervejaria. Não adianta eu entregar a melhor cerveja da vida em um lote e a pior no lote seguinte, ou seja, não basta ter só qualidade, é preciso também consistência, algo que sinto que mercado e o público cervejeiro brasileiro ainda está aprendendo a apreciar e valorizar.

Leo em uma das diversas palestras e aulas que ministra pelo Brasil. Foto: arquivo pessoal

F.M.  6. Quando vão trocar a mesa velha do ping-pong?

L.S. Acho que no que depender da equipe, nunca, pois eles jogam ali todos os dias e vai rolar greve se eu mexer naquela mesa… Mas na máquina de fliper, ahh essa sim ninguém mexe!

A famosa super machine. 1 copo a cada tentativa. Foto: arquivo pessoal

F.M.  7. Como escolhe a sua equipe?

L.S. Com muita atenção ao detalhe, na verdade. O pessoal que nos vê de fora pensa que somos só um bando de loucos trabalhando em um estúdio de criação. Pode até ter um pouquinho de loucura na verdade, pois fomentamos o pensamento criativo na Seasons. Mas como eu gosto de dizer, nós podemos não nos levar muito a sério; mas levamos muito a sério o que fazemos. De modo geral, sempre buscamos pessoas que tenham sangue nos olhos pra cada uma das suas atribuições: seja com produção, QA, lab, mecânica industrial, vendas ou marketing, gosto sempre de colocar as pessoas nas áreas que elas mais gostam de estar, pois assim elas brilham ainda mais. Mesmo sendo uma empresa pequena, temos esses papéis bem compartimentados. Além disso, tem que ser apaixonado por cerveja, senão fica difícil… 😀

Moita meliante, responsável pelo comercial da cervejaria

F.M.  8. Qual seu papel como tio cervejeiro?

L.S. Sou auto-proclamado o sommelier universal level-grandmaster-quântico-ultra-power-motherfucker de piadas de tiozão, perturbando as pessoas diariamente com pelo menos uma piada infame. É mais forte do que eu… A propósito, de várias dessas piadas já surgiram nomes de cervejas nossas! Ou vocês acham que X-BACON e CELSONS surgiram do LIMBO? 😀

Pavê o lúpulo de perto? Foto: por Rafael Bittencourt

F.M.  9. O que os concursos cervejeiros significam para você?

L.S. Obviamente que somos muito orgulhosos dos prêmios que recebemos ao longo desses 9 anos. Veio até conquistas como a cerveja do ano com a Basilicow, algo muito marcante na nossa história. Isso é a coroação de um trabalho bem executado até aquele momento. Mas e o futuro? Eu vejo que um concurso hoje é algo que está sendo cada vez mais usado como um meio para se alçar ao mercado e está sendo erroneamente eternizado pelas marcas existentes, sendo que vejo o concurso como algo efêmero e que deveria ser tratado como tal. Como em um campeonato de futebol, onde em um dado ano ganha um time, no ano seguinte ganha o outro, e por aí vai. E os times estão todos ok com isso, pois às vezes se ganha, às vezes se perde.

Copa Peruana de Cerveja, junho/2019. Jurados: da esquerda para a direita: Estevao chitto, Maira Kimura, Leo Sewald, Diego Castro, Felipe Davila. Foto: arquivo pessoal

Vejo que, por um excesso de competitividade natural do brasileiro (constatação esta que não é minha, mas sim de praticamente todos os jurados internacionais com quem tive o prazer de dividir uma mesa de juri), estamos banalizando a difícil conquista de uma premiação em concursos em prol da atenção de mídia, quando na verdade, deveríamos estar é nos preocupando mais com a cerveja que está indo para o consumidor. Sempre me orgulho em dizer que tudo que conquistamos em concursos foi com cervejas que vendemos normalmente, as mesmas que vão para a mão e o copo dos nossos clientes. Isso é o mínimo que uma cervejaria deve fazer pois um rótulo se deixa escrever, mas é no consumidor que está o real termômetro de mercado. E este não perdoa inconsistências no longo prazo.

Eventos cervejeiros também servem como uma vitrine para que o consumidor consiga formar melhor a sua opinião. Nesse sentido, eu me coloco no lugar do consumidor, que é uma pessoa cada vez mais informada e inteligente, que dificilmente se deixará levar pela emoção de comprar um produto simplesmente porque está escrito ‘o melhor do mundo’ em algum lugar na embalagem.”

Stand, evento 2018.

De qualquer forma, não quero tirar o mérito de um concurso. Só vejo que as cervejarias, ao receberem uma honraria como essa, deveriam usar o bom senso em usar a premiação da maneira correta, de forma a não confundir  a cabeça do consumidor. E confunde mesmo: a título de exemplo, só no ano passado nós contabilizamos 18 convites para participações em concursos. Como se pode imaginar, em função das múltiplas variáveis existentes, é muito difícil uma cerveja ganhar em absolutamente todas as competições. Aí uma cervejaria ganha em um concurso internacional e estampa “sou a melhor  do mundo”, enquanto outra tem exatamente a mesma frase estampada porque ganhou em outro concurso internacional. E o consumidor fica ali, pensando: “tá mas todo mundo virou o melhor do mundo agora?”. Complicado…

De qualquer maneira, vejo que o mercado está evoluindo nesse sentido. Hoje já existem concursos que só recebem cervejas que foram previamente premiadas em outros concursos regionais/nacionais, como é o caso do novo modelo adotado pela South Beer cup. Algo como uma “taça libertadores da cerveja”. Ainda assim, ainda acho que há espaço para mais melhorias. Por exemplo: ainda gostaria de ver um concurso que informasse aos ganhadores que “o premio pode ser usado como ferramenta de marketing por x anos”, algo similar a uma taça que passa de mão em mão, uma estratégia bacana e que mantém tanto o mercado aquecido como o consumidor interessado em descobrir quem será a próxima ganhadora.

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