Livro mapeia pequenos produtores e busca as origens da ‘comida de verdade’

Livro mapeia pequenos produtores e busca as origens da ‘comida de verdade’

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É possível fazer uma boa cozinha sem bons ingredientes? Essa é a pergunta que guia o livro Paisagens Gastronômicas, lançado no final do ano passado e que teve origem em uma expedição homônima que percorreu mais de 5 mil quilômetros para mapear pequenos produtores.

Sob a batuta do editor Daniel Nunes Gonçalves, o livro reúne verdadeiros tesouros da gastronomia brasileira que vão de queijarias e charcutarias a fazendas de chá e produtores orgânicos. Foram três meses rodando o Estado de São Paulo identificando e fazendo a curadoria das mais significativas iniciativas que envolvem processos artesanais e conhecimento tradicional.

O livro ainda contou com o trabalho de Fernanda Cunha (curadora), o fotógrafo Adriano Fagundes e o jornalista Xavier Bartaburu.

Nesta entrevista exclusiva com Daniel Nunes Gonçalves, descobrimos como foi o processo de seleção e qual o papel de Paisagens Gastronômicas na cultura brasileira e na percepção do público em relação ao que consome.

Plantio de arroz | Foto: Adriano Fagundes

FM – Como surgiu a expedição que deu origem ao livro e de que maneira ela foi organizada? 

DG – A Expedição Paisagens Gastronômicas surgiu do desejo de alguns amigos de produzir um livro para retratar e contar as histórias dos pequenos produtores de alimento que tem abastecido consumidores, mercados e restaurantes em busca de comida de qualidade.

A partir do nosso próprio desejo de saber a origem daquilo que comemos – o que é inclusive uma tendência mundial dos consumidores mais conscientes -, começamos em 2017 a consultar chefs de cozinha, vendedores em feiras e mercados bacanas e outros especialistas no universo da alimentação e de gastronomia para saber quem eram os seus fornecedores.

A partir daí começou o trabalho de pesquisa e curadoria – da curadora Fernanda Cunha e dos jornalistas Xavier Bartaburu e Bruna Tiussu – de levantar quem eram os produtores mais respeitados de distintos alimentos nas mais variadas regiões do estado de São Paulo.

Via lei de incentivo (PROAC, que permite às empresas destinar parte do seus impostos de ICMS para estimular a cultura), conseguimos um patrocinador que acreditou na ideia, a rede de mercados St Marché, e obtivemos o dinheiro para cair na estrada com a equipe no início de 2019.

Café da Fazenda Ambiental Fortaleza | Foto: Adriano Fagundes

FM –    Falar de gastronomia atualmente é falar diretamente de quem produz. Qual o papel que o Paisagens Gastronômicas desenvolve nessa discussão no mercado nacional?

DG – O projeto quer jogar luz sobre os anônimos pequenos produtores que trabalham com paixão e estão promovendo uma mudança no jeito de produzir alimentos – para atender a um consumidor que também mudou, está mais consciente, exigente.

Não quisemos, portanto, destacar a nossa rica produção agropecuária industrial em larga escala. Preferimos fechar o foco no pequeno produtor, que trabalha de um jeito quase artesanal, que evita o uso de agrotóxicos. Cooperativas, experiências de agricultura familiar, coletivos e ecovilas podem não ter o poderio econômico expressivo dos gigantes do agronegócio, mas o cuidado dessas pequenas iniciativas no trato com os ingredientes garante um impacto socioambiental positivo e a disseminação de práticas de alimentação saudável.

FM –  Você acredita que a consciência alimentar da população tem impulsionado e valorizado o pequeno produtor ou é o contrário? 

DG – Sem dúvida. Como dizemos no próprio livro, foi o interesse crescente das pessoas pela origem daquilo que comem que nos fez enxergar aí uma oportunidade de contar bem algumas histórias pouco conhecidas.

Os produtores visitados durante a Expedição Paisagens Gastronômicas são exemplos de gente que aprendeu que podia casar a paixão pela produção alimentar com o paladar exigente desse novo comprador mais consciente.

São fazendeiros que frequentam feiras de orgânicos, fidelizam o fornecimento a mercados de qualidade, conhecem pessoalmente o consumidor final – muitos até abrem as portas das propriedades para o público final.

Orgânicos da Fazenda Santa Julieta | Foto: Adriano Fagundes]

FM – O P.G é um projeto bastante colaborativo. Como os integrantes se conheceram e como foi lidar com visões e opiniões diversas durante o processo? 

DG – Trabalhamos na forma de um coletivo, que se junta para trabalhar em projetos nos quais acredita. Adriano Fagundes, Daniel Nunes (dono da Same Same, a editora do Paisagens Gastronômicas), Ricardo Godeguez, Bia Ribeiro (e seus sócios da produtora cultural Humanize Produções) fizeram juntos o livro Legado Olímpico, sobre a alimentação dos atletas dos jogos olímpicos Rio 2016, também pela Same Same. Adriano e Fernanda Cunha tinham produzido em 2012 o livro Expedição Brasil Gastronômico. Autores de vários livros, Xavier Bartaburu e Daniel Nunes tinham trabalhado juntos na revista Os Caminhos da Terra. Adriano e Daniel fizeram inúmeras reportagens de turismo para diferentes publicações.
Este grupo começou uma série de encontros em 2017 e criou uma dinâmica para encaminhar o projeto mesmo morando em cidades distintas e tocando outros projetos paralelos. Adriano mora no circuito Rio de Janeiro – Lisboa, Bia mora em Lisboa. Daniel, Fernanda, Xavier e Ricardo vivem em São Paulo, mas viajam com frequência – o que exigiu disciplina para o trabalho à distância, respeitando outros fusos.

Como pensamos parecido sobre este tema, foram poucas as discordâncias sobre o tema ao longo do processo – e todas elas discutidas até o consenso.

Pesca artesanal em Paúba | Foto: Adriano Fagundes

FM – Muita gente sequer sabe que o Brasil é um produtor de chá ou que, ainda, existe charcutaria marinha. Como vocês se sentem ampliando os horizontes de tanta gente apresentando tantos produtores legais?

DG – Estamos orgulhosos por promover esta discussão, e especialmente felizes por termos mobilizado uma comunidade tão especial de produtores que se sentiram recompensados ao terem seus trabalhos destacados nas páginas do livro.

FM – Quais foram os produtores que mais surpreenderam vocês durante a expedição? 

DG – A Fazenda Ambiental Fortaleza, produtora de café, se apaixonou pelo projeto desde o início e fez questão de oferecer sua cafeteria em São Paulo, a Isso é Café, para o lançamento. Eles trabalham em um nível de excelência mundial. E adoramos conhecer os produtores de gado wagyu, de botarga e de defumados marinhos que estão trazendo um novo vocabulário ao consumidor brasileiro.
FM – Tem previsão para a realizarem outra expedição (ou livro!) em outras regiões do Brasil além de São Paulo?

DG – Sim, queremos avançar com outras regiões do Brasil. Estamos nesse momento em busca de patrocinadores para nossos outros projetos regionais – e também para uma exposição fotográfica que mostre nossa pesquisa para mais gente.

Para saber mais sobre o Paisagens Gastronômicas e comprar o livro CLIQUE AQUI. 

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