O futuro do passado

O futuro do passado

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“Deve ser aqui”, sinaliza o letreiro em neon vermelho junto à parede na calçada. Estamos no FUTURO! O FUTURO é hipster, dizem. O Futuro Refeitório está dentro de um daqueles raros galpões de oficinas antigas gigantes, com pé direito altíssimo e telhado com estruturas aparentes e luminárias enormes pendentes. Tudo remete aos antigos refeitórios, a bandeja de ágata onde vem a comida e seus potinhos, os banheiros, a pia comprida com várias torneiras. Sofás, mesas e poltronas fazem vários ambientes pelo galpão, e uma mesa comunitária reúne quem quiser ficar trabalhando no estilo coworking. Isso tudo com uma vista para a galeria de pães, bolos e afins que vão chegando da produção junto à praça dos baristas que preparam os cafés.

Reconhecimento feito, escolho uma mesa. Olho o cardápio e salivo já imaginando minha média de café e o avocado toast tão bem descritos. Sinalizo atendimento ao garçom.

– Humano: bom dia, tudo bem? Gostaria de fazer o pedido.

– Futuro: Não responde o bom dia, e logo fala: não fazemos o pedido, você tem que fazer primeiro direto no caixa. Só trazemos pra você depois.

Não vejo problema em fazer primeiro o pedido no caixa, afinal muitos estabelecimentos e cafeterias procedem desta forma. O que não posso concordar é com o azedume e cara de poucos amigos do garçom e a falta de acolhimento. Sempre acho que simpatia e acolhimento são insubstituíveis.

Vou até o caixa fazer o pedido. Segue a sequência de caras fechadas. Ninguém sorri neste lugar? Parece que no Futuro, sentimos na própria carne o sinal dos tempos em que as pessoas preferem resolver tudo de forma fria, automatizada, eletrônica ou por aplicativos de preferência.

No futuro a gente chega até a sentir que faríamos um favor se consumíssemos e fôssemos logo embora e, talvez, devêssemos nos desculpar por ter ido até lá. Peça, pague, coma, beba e vá embora.

Minha cabeça lateja e peço a gentileza ao garçom, se ele poderia conseguir um copo de água para eu tomar um remédio.  Não vi empatia, agilidade e nem ouvi neste momento um “claro que sim, só um minuto e já providencio pra você”!

Ele sem saber se poderia me fazer este favor, se dirige ao caixa, sinaliza pedir consentimento para poder me dar um copo de água.

Me parece que qualquer evento fora do script no salão, o staff não sabe como resolver. Me parece que no Futuro faltou orientação “humanos acolhendo humanos”. Queremos nos sentir abraçados! Sabemos que existem milhares de lugares que nos abraçam, e nem são hipsters, ou sofisticados ou caros, ou Michelan star. Não tem a ver com valor do tíquete ou a decoração. O abraço é gratuito.

Chegam minhas sócias e nos aconchegamos nos sofás com mesa de centro. A idéia é fazer uma matéria. Outra garçonete nos atende e pasmem, ela comanda os pedidos, diferente do primeiro garçom! Neste momento, temos duas comandas sobre nossa mesa, equivoca-se nos lançamentos e mais tarde na hora de pagarmos a conta no caixa, a confusão já tinha sido feita.

Nos apresentamos à garçonete, mencionamos o propósito da nossa visita. Perguntamos se poderíamos fotografar, e se haveria possibilidade de falarmos com uma das proprietárias.  Pede para ligarmos para a assessora de imprensa. Ligamos. Somos informadas que a proprietária estava de férias por conta das muitas entrevistas e agenda lotada. Informa que poderíamos usar o banco de imagem deles. Foi seca e direta como nos pareceu ser a cultura organizacional do Futuro.

Decidimos almoçar e conhecer um pouco mais do cardápio. Gostamos da proposta sugestiva do menu com bowls para comermos no aconchego do sofá onde já estávamos. Infelizmente, no sofá do Futuro, pode-se comer somente sanduíches. Nesse momento me pergunto: Qual é o sentido de incluir bowls no cardápio, se justamente o bowl nos remete a facilidade e aconchego de comer em um sofá, na companhia dos amigos e nem sequer precisarmos de facas? Qual é o sentido em construir todo um lugar voltado para a descontração e lazer das pessoas, se no momento de entregar essa proposta ela não acontece e se torna friamente engessada?

Muito conceito para pouca entrega

Somos informadas que poderíamos ir para uma mesa, porém teríamos que entrar na longa lista de espera do horário do almoço. A esta altura, só falta nos pedirem para irmos embora, pois queríamos comer no sofá! Outra garçonete nos informa que podemos comer no balcão. Finalmente uma luz!!! Colocamos um casaco no único banco que está livre no balcão e aguardamos alguns clientes que já estão de saída para nos acomodarmos. Nova funcionária chega e pede para tirarmos o casaco pois temos que entrar na fila de espera para sentar no balcão.

Diferentemente de outros lugares em São Paulo, ou no mundo, lá no Futuro o balcão é contabilizado como mesa e deixa de ter a função de destino aos clientes que desejam não aguardar por uma mesa.

Reflito sobre todas experiências desagradáveis que tive desde que cheguei para tomar meu café da manhã no Futuro. Penso se tudo não teria sido evitado se logo ao chegar o garçom estivesse treinado a explicar sobre o funcionamento da casa. Penso  que a capacitação e padronização no atendimento deve ser a mesma para toda a equipe.

Pontuo à funcionária nossa frustração com o atendimento, as inconsistências de informações e a rigidez em não abrirem mão de nos servir 4 bowls de comida no sofá. Não há pedido de desculpas pelos equívocos no atendimento prestado, pelo contrário, a moça interrompe minha fala, se perde em explicações se defendendo e reafirmando que é assim que funcionam.

Quando um cliente se mostra insatisfeito e relata suas insatisfações diretamente ao estabelecimento, é de bom senso neste momento ouvi-lo. E cada palavra deveria ser pérola guardada e repassada ao gerente, para corrigir as falhas o mais rápido possível. O cliente é uma espécie de consultor gratuito. O estabelecimento que souber escutar o cliente sempre sairá ganhando! Para que isso aconteça é preciso que toda a equipe do salão seja orientada a fazê-lo. Sem isso, não há Futuro no horizonte.

Fomos embora. Caminhamos duas quadras, famintas e chateadas. Novo restaurante escolhido. Logo na entrada um garçom dos antigos, sorrisão no rosto, prontamente fala: “tenho esta mesa aqui na varanda, mas assim que der providencio uma melhor para acomodar vocês…  nome é Miguel. Aceitam água fresca? É cortesia da casa”.

Logo volta e diz: “a mesa de vocês está pronta. Lá estarão melhor acomodadas”. Pedidos feitos, Miguel explica sobre os tipos das carnes e o melhor ponto de cada uma.  Na saída o dono vem nos cumprimentar. Fotos? Fiquem à vontade, a casa é de vocês!! Voltem sempre!!

Em poucos passos no mesmo bairro, saímos do futuro e fomos para o presente. Um presentaço!

Fotos: Bia Amorim, Lili Ribeiro e Fran Micheli

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