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#1 – A nova cerveja Padrão

Foram quase 10 anos trabalhando em Publicidade. Meu primeiro trabalho como publicitário foi em 2003. Meu último job foi em 2013. Me agarrei na alegria de conseguir parar de chamar trabalho de job para me convencer de que valia a pena abrir mão de um bom salário. Eu ia bem na Publicidade e alguns amigos que fiz trabalhando achavam que eu tinha talento. Recebi boas indicações e sabia como me portar, na maioria das vezes. Não era sempre que eu concordava com as ideias durante as reuniões. E a maioria das vezes sentia que o trabalho era um tanto quanto padronizado, de pouca criatividade e de pouco espaço para a imaginação. O imaginário que tinha de que agências de Publicidade eram espaços mais livres para o pensamento foi desmascarado. O texto é livre, a criação das imagens é enorme, mas a ideia geral se encontrava parada dentro das agências em que trabalhei.  Me senti obrigado a me livrar do cargo que ocupava para pensar de forma mais livre.

Fachada na Let´s Beer. Foto: Divulgação.

Então, comecei a estudar cerveja. Isso me ajudou a entender melhor como a Publicidade tem o poder de padronizar não só produtos, como comportamentos e modos de vida. Viajando e depois estudando no Instituto da Cerveja, entendi a variedade de estilos, rótulos e empresas de cerveja no mundo, senti como se tivesse sido enganado até aquele momento. Provar Pale Ales, Red Ales, Rauchbiers, Saisons, Lambics, não era apenas como provar um novo sabor, mas um jeito de resistir à força da publicidade sobre mim. Parecia que eu havia encontrado a chance para inverter o jogo. Inocentemente achei que, ao cuidar do meu próprio negócio, poderia finalmente não depender de padrões de Marketing. Seria como se eu pudesse passar minha ideia a cada copo de cerveja vendido. Cada variedade cervejeira experimentada, seria como negar entrar num padrão.

Viva IPA Foto: Redes Sociais Let´s

Hoje, com mais de 6 anos dedicados a cuidar de um negócio de cerveja, organizando um bar e um restaurante, pude perceber o crescimento no número de empresas e cervejarias, na quantidade de pessoas trabalhando no ramo, na qualidade dos cursos e das bebidas, na popularidade dos eventos e dos campeonatos. Geralmente dezenas de estilos são produzidos, testados, inscritos em competições anuais, em diversos estados pelo Brasil. O país faz ótimas cervejas e me sinto orgulhoso dessa qualidade reconhecida por muitas pessoas que gostam de experimentar também. Porém, comprando para meu bar cervejas das microcervejarias mais reconhecidas ou tentando vender a minha para donos de outros bares, fico assustado com o domínio das American India Pale Ales. Parece que usar a técnica de Triple DryHopping da safra mais nova de lúpulos americanos é o novo padrão do que pode ser considerado uma cerveja boa por parte dos cervejeiros, bebedores e produtores. Lúpulos Australianos e Neozelandeses também podem ser usados por que são caros e meio cool, sabe? Basta o aroma e o sabor ficarem semelhantes o suficiente com a pegada do mais novo lúpulo dos EUA.

Contudo, não basta fazer igual a lupulagem gringa. O visual do rótulo também tem que ser na pegada de L.A. (leia-se ÉuLEI, ou Los Angeles para os menos íntimos). E não devemos esquecer do nome em inglês. Esse precisa estar bem grande e precisa ser engraçado com um toque nonsense do sampa Dream of Californication. Todo bom lúpulo justifica o preço. O preço justifica o bom gosto. A venda justifica a promoção nas redes sociais. Basta copiar as fotos conhecidas e a linguagem que todos reconhecerão que aqui temos uma boa IPA. Está vendendo bem. Vamos fazer mais. Faz igual, mas faça dentro dos padrões da West Coast Californiana. Tudo bem, pode ser nos padrões de New England, também fica nos EUA. Vai vender. Todas as torneiras já podem ser engatadas com a mesma coisa.  E minha liberdade vai para o ralo.

Acho que ainda gosto de IPA. Eu não gosto é do bom senso.

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