As coisas que moram na minha geladeira

As coisas que moram na minha geladeira

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Esses dias abri a geladeira e vi que algumas coisas moram lá. Um dos moradores mais antigos é o Sr. Picles, ele fica em um recipiente de vidro grande, com aquelas tampas meio metalizadas de rosca. Eu fiz faz muito tempo. Muito. Em uma constância semestral eu provo e acho que está cada vez melhor. Pepino. Semente de mostarda. Sal. Vinagre. Folha de louro. Umas especiarias sei lá. Cada vez melhor. Eu diria que é um morador bem conservado. Conserva.

“Frost Free”, diz as letrinhas prateadas na porta do freezer. É sim uma Brastemp. Daquelas que não fabricam mais. Tem três prateleiras e duas gavetas. Uma em cima, pequenina e magricela, um santuário para os produtos à base de leite e uma grande em baixo, onde parece que as frutas, verduras e legumes se dão melhor. Na porta da geladeira, prateleiras que precisam de produtos que se encaixem por ali. Mais magrinhos ou pequenos frascos. Os vinhos estão sempre por lá. Se for de cozinhar, passam temporadas até acabar.

Cada coisa na vida tem seu próprio destino e tudo acaba que tem um propósito. O tempo ajuda a definir a constância, muitas vezes. Para determinadas coisas, é essencial que exista o momento certo. Para outras, esquece-las é um princípio. O iogurte dura pouco. A carne fresca precisa estar na lista do amanhã. O mamão não espera muito tempo. O suco de limão, mal volta depois de ter ido. O queijo curado não tem muita pressa. O salame não marca hora. A maça é das mais resistentes frutas.

Moradores elegantes as vezes dão as caras. Um Mignon para o jantar, ui. Um queijo Rochefort para o encontro com os amigos. A IPA que veio só para gelar mesmo. A mostarda Dijon que nunca acaba. O mel de nativas, tão delicado. Aquele presunto Parma, um esnobe. Mas nunca veio o escargot e nem o caviar, será que algum dia foram convidados?

Existem alguns visitantes mais agitados. Nem só de coisas inertes vive a geladeira. O Kefir chegou depois de uma divertida fermentação no leite durante a noite. As Kombuchas parecem borbulhar nos dias em que recebe a dose extra de suco. E comidas esquecidas, que passaram do tempo, são invadidas pela microflora que também, apesar de invisível, mora por lá e gostam mais de frio.

As sobras são as mais comuns. Restos de um jantar fecham a pernoite. A cenoura que saiu inteira volta em fatias. O arroz que voltou e voltou e voltou termina sua vida em um bolinho. O macarrão alho e óleo de ontem ganha carne moída e renasce em um “a la Bolognhesa” no forno, com gratin de queijo.

Na parte de cima da geladeira, o freezer, é que estão algumas relíquias. Aquele creme de milho que nunca será descongelado. Aquela massa recheada que nunca será assada. O feijão no pote de sorvete. A salvação em um dia de baixa hotelaria em terras gélidas. Lá mora aquele franguinho refogado que vai te ajudar em um dia de fome e preguiça.

Que vida agitada tem a minha geladeira. Moradores inquietos. Visitantes saborosos.

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