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Brigas cervejeiras não são brigas de bar

O noticiário é que o pugilista norte-americano Mike Tyson está de volta ao ringue. O sangue de bife malpassado harmonizado com uma American India Pale Ale sobe no mercado cervejeiro. Os instintos selvagens são energizados com esta notícia e além da saudade de bar, parece que existe a saudades das brigas de bar também.

Estava passeando tranquilamente pelas ruas movimentadas do Facebook. Em épocas de pandemia, eu tenho transitado bastante pelas vias digitais. E é como andar em uma rua de bairro, onde todo mundo se conhece, sabe seu nome e reconhece seu rosto. Em algumas janelas apenas o som da TV com o jornal. Em outras, músicas tocando ao fundo de alguma atividade. Mas na maioria dos grupos são assuntos sendo debatidos com voz alta e até gritaria.

Em um grupo que chama “The League of Extraordinary Beer Drinkers” havia um bate-boca daqueles que vai gerando burburinho e de repente parece que você está na pista do aeroporto e passa um avião à jato com seus 140dB. Depois de um tempo ninguém se entende, é tudo ruído.

Ei, Psiu, baixa o tom!

Estamos fazendo da internet o lugar onde todo mundo quer levantar a voz mas só tem teclas, e o máximo que pode fazer é GRITAR EM LETRAS GARRAFAIS ou improvisar um texto muito longo ou só xingar e colocar o papo em um nível inadequado. Com sorte, encontramos algumas pessoas que tentam amenizar as brigas com comentários mais leves, mas virtualmente essa sensação de amolecer os corações está fora de moda. É fogo no parquinho.

O instinto selvagem do caçador

No livro De caçador a gourmet, uma história da humanidade, Ariovaldo Franco revela em sua narrativa muito sobre o comer conectado a trajetória humana de sobrevivência. Ele diz que “a tendência humana de compartilhar alimento, ideia básica da hospitalidade, teria se originado quando o homem desenvolveu a capacidade de matar grandes presas. ”

Interessante pensar que um gesto é gentil e hospitaleiro, mas em outra ponta esteja conectado a matar e a violência. Tudo é uma questão de qual perspectiva você está vendo. Franco continua mais a frente falando sobre o prazer da mesa e explica “é um prazer peculiar à espécie humana. ”

Talvez com a facilidade de se obter combustível para a vida sem precisar sair por dias na floresta para caçar, o homem tenha ficado ocioso demais e agora busca confrontos virtuais, querendo impor suas vontades e matar liberdades alheias. Pede no Ifood um bife bem passado, sem gorduras, sem cebolas, um creme tipo cheddar e enterra mais um pouco suas raízes, buscando berrar baboseiras pelas mídias digitais sem sujar suas mãos. Comida limpa e embalada, para quem tem nojo da realidade.

Voltemos a matutada treta cervejeira 

No grupo, uma foto de várias caixas de Bourbon County – a famosa cerveja da Goose Island, cervejaria natural de Chicago (USA) adquirida pela Ambev, em 2011 – que teve seu esperado lote anual recém lançado. A imagem contém algumas frases e diz que a companhia não precisa do dinheiro, e que todo mundo deveria comprar cerveja da fábrica mais perto de casa.

A Bourbon County existe desde 1992 e se tornou icônica por ser uma das primeiras potentes cervejas a serem maturadas em barril, em uma época que a maioria das pessoas não sabiam que existia vida além de uma American Light Lager. A cerveja sazonal e pujante hoje eleva o tom de discórdia em um grupo de cervejeiros em 2020. Não em um bar, trocando socos para ver quem é o mais forte e selvagem. Mas em um grupo de Facebook onde os memes e GIFs ferem egos.

Esta é uma discussão antiga que não sei datar, mas que vem ganhando espaço a cada novo fanático que chega ao mercado de cervejas. O arranca rabo entre gigantes e pequenas empresas talvez possa ser datado pela revolução industrial, época onde as grandes empresas começaram a ter maquinário para crescer a produção e foram pouco a pouco se fortalecendo, destruindo marcas nanicas e tirando de casa a confecção de todo tipo de coisa que os seres humanos fabricavam “na unha”.

No Brasil ainda podemos acompanhar, também pelos grupos cervejeiros, bate-boca sobre ter milho na cerveja, sobre ser puro malte, puro puro puríssima Lei de Pureza Alemã e outros mitos e factoides que na verdade são histórias ou apenas abordagens mal feitas de uma história complexa, cheia de reviravoltas, pesquisa, ciência, necessidade e dinheiro.

Star Wars X Pastry Sour IPA

Um rapaz comentou no post “Por que você gosta de Star Wars? Não deveria estar dando suporte a um autor independente? Viu como funciona? ”, outro então complementa “Está reclamando do mercado, mas usa a ferramenta do Facebook para isso, provavelmente compra via Amazon também. ” Vráááá virtual. Se fosse no boteco seria a primeira garrafa a voar. Se fosse no Brewpub talvez seria um pint de Pastry Sour IPA.

A questão é que não podemos fazer juízo de valor de algo assim, sem nos ferir. Nos envaidecemos porque compramos não só produtos artesanais, mas o sentimento de que somos melhores do que alguém por causa disso? Deturpamos o sentido cervejeiro, corrompemos nosso paladar com lúpulos caros e cuspimos no copo que tanto tomamos um dia. Hipocrisia mandou um beijo.

Qual a relevância de começar uma briga ditando aos outros um posicionamento? Achei que vivíamos em um tempo de liberdade de escolha. Agora temos que lidar com os gatekeepers cervejeiros? Os guardiões da verdade e paladar? Precisamos de mais sommeliers de álcool Hegel.

Depois de muitos comentários o autor do post se posicionou “A questão é que agora o mercado craft local precisa da sua ajuda muito mais do que a ABInbev”. Ah sim e isso é urgente! Muitos negócios pequenos já fecharam, muitos estão à beira da falência. Mas será que a forma como o assunto foi abordado, em tom mandatório, funciona?

Eu não quero ninguém mandando no meu paladar. Já sou adulta (adoraria dizer, vacinada) e escolho o que eu quiser, de acordo com o que posso pagar, o momento que vou consumir, com quem eu vou abrir aquela cerveja, com o que eu vou comer e todas as outras demandas, sejam elas culturais, sentimentais ou ideológicas.

Nosso consumo é político sim! Estamos a cada dia mais repensando onde gastar nosso dinheiro e em qual empresa acreditar e ter confiança. Século XXI está abalando estruturas feudais de pensamentos arcaicos e a diversidade é nossa mais recente discussão. Então eu escolho o que beber, não apenas por ser uma pequena ou grande empresa. Eu compro um produto de uma companhia que não fere meus direitos, que não agride pessoas e não tenha preconceitos.

Não basta ser pequeno, é preciso ter caráter. Não basta ter qualidade, é preciso ser ético. Este mar bravo, essa maré, vai nos levar em um lugar de águas mais brilhantes. Ali vamos consumir o que quisermos, da forma como nos for possível. Precisamos parar de arrumar brigas por motivos vazios ou porque achamos que falamos mais alto e batemos mais forte.

Motivos para brigar nós temos. É preciso entender a causa e atar essa sangria de querer impor as coisas para as pessoas. Cuida da sua taça, do seu copo americano ou até do seu cálice de acrílico.

Temperança no discurso e no copo

Na Antiguidade Clássica, o vinho tinha seus próprios deuses, festas e culturas. Os mitos explicam os comportamentos humanos e nos contam como a bebida afeta nossas relações entre os homens.

Henrique Carneiro, no livro Bebida, Abstinência e Temperança, fala sobre como as bebidas “cumprem diversos papéis na construção do mundo como ele é, ao servirem como marcadores de identidades e limites de inclusão/exclusão social. ” Não podemos impor ao outro esse abismo cultural que está conectado com tantos outros fatores e símbolos. Precisamos de sobriedade também em nossas falas. Um copo a mais de cerveja e as verdades sendo destiladas com ódio nas redes sociais.

“Beba melhor, beba com consciência”. Até mesmo essa frase parece ter em tom de imposição. Mas buscamos saúde enquanto estamos presos em alguns rituais confusos nesta época que vivemos.

Cerveja é para agregar pessoas, fazer barulho com risadas, trazer leveza para o dia e esticar sorrisos sinceros. Traga mais harmonia para a mesa, sejam elas digitais ou reais. Brinde com pessoas que pensam diferente que você, lute as boas lutas, as necessárias. Quer uma boa briga? Ainda tem muito preconceito a ser desfeito. Aqui nesse boteco, quem RIS por último, não RIS melhor, apenas MATURA e se torna uma pessoa mais madura.

ESTAMOS A 0 DIAS SEM TRETAS NO MERCADO CERVEJEIRO. Bia Amorim (eu) em um Tour Cervejeiro em 2014, na Rua Minas, onde era a fábrica da Cervejaria Colorado, com a camiseta da DUM cervejaria. O mundo dá voltas, sempre bom lembrar.

* Aqui uma atualização importante. No ano de 2010, fui contratada pela cervejaria Colorado e foi quando descobri as cervejas artesanais de forma intensa, e que mudou a minha vida. Já trabalhava com gastronomia e estava naquele ano estava trabalhando com vinhos. Vivia um mundo muito distante do meu, onde garrafas custavam mais do que o meu mês inteiro de salário. Cheguei no mercado cervejeiro olhando com o viés do serviço, do atendimento, da hospitalidade. No final de 2011 saí da Colorado, mas continuei prestando alguns serviços, mesmo depois de ter sido vendida para a Ambev. Nos anos de 2017, 2018, 2019 fui jurada no programa de televisão Eisenbahn Mestre Cervejeiro, um reality show, bancado pela Heineken, da turma das gigantes mundiais também. Não posso dizer que sou 100% do mercado artesanal e não estou aqui defendendo a maior empresa do mundo, pois ela não precisava da minha defesa. Esta edição atualizada se dá por conta de um post de um colega cervejeiro, que compartilhou a imagem citada acima no texto. Lá na sua postagem também houve um certo furdunço barulhento. E que bom que estamos dispostos a conversar, se colocar no outro lado. Eu não tenho problema em dizer que ambos os lados tem muitas coisas para ajustar. No momento presto serviços para a Startup Brewing, que inclusive é quem patrocina essa coluna, conforme imagem abaixo. Espero sempre estar com o copo cheio de boa cerveja e a cabeça cheia de reflexões e a boca cheia de palavras que possam trazer pensamentos para um mercado que não vive apenas de fazer cerveja. Mas quem sou eu para fazer juízo de valor do que está no copo alheio?

OUTRAS TRETAS CERVEJEIRAS QUE A INTERNET NOS CONTA

HISTÓRIA DA DUM

https://youtu.be/Z57cL-bn6Sg

PETROLEUM É NOSSO

https://www.youtube.com/watch?v=JHby9IBjiFw

MAS JÁ FORAM AMIGAS

https://youtu.be/P454AmE-rUc

DE QUEM É A PETROLEUM?

https://guiadacervejabr.com/zx-dum-petroleum-justica/

COMPRA DA COLORADO

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2015/07/07/ambev-compra-a-cervejaria-paulista-colorado.ghtml

BUDWEISER VS BUDWEISER

http://beercast.com.br/leia-o-rotulo/budweiser-vs-budweiser/

O CASO HELLES E UM ESTILO DE TRETA CERVEJEIRA

https://guiadacervejabr.com/caso-helles-fassbier-especial/

UMA TRETA QUE VIROU UMA CERVEJA COLABORATIVA

http://mestrecervejeiro9.globo.com/cultura-cervejeira/treta-que-virou-cerveja.html

BRAGA NAS BEBIDAS PREMIUM

https://exame.com/marketing/cervejarias-vao-a-briga-nas-bebidas-premium/

BRIGA DE BAR & SEGREDOS

https://afrebras.org.br/noticias/briga-de-bar-revela-segredos-de-estado/

CHORANDO

https://www.farofamagazine.com.br/artigo/nao-adianta-chorar-o-deleite-derramado 

COMBO SIGA O COPO

TAPA NA CARA

https://sigaocopo.blogosfera.uol.com.br/2020/10/25/cervejeiras-tiram-sarro-do-machismo-nas-redes-e-sao-as-heroinas-da-vez/

SENSACIONALISMOS DE TRETAS

https://sigaocopo.blogosfera.uol.com.br/2020/01/10/reduzir-contaminacao-em-minas-a-debate-cervejeiro-e-sensacionalismo/

NÃO DEIXE O MUNDO CERVEJEIRO PIOR

https://sigaocopo.blogosfera.uol.com.br/2020/01/03/em-2020-nao-deixe-o-mundo-cervejeiro-pior/

PODERIA SER UM PUBLI PARA O http://advogadocervejeiro.com.br/ E ATÉ VENDER LIVRO

https://www.editorakrater.com.br/loja/direito-para-o-mercado-cerveja/

 

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