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Nós não temos tempo

A vida hoje é tão corrida, tudo acontece no tempo de um twitter.

140 caracteres. 140 graus. Será essa a temperatura correta? Meu maior medo de hoje em dia dentro de uma cozinha não é mais a panela de pressão. Comprei uma que a tampa fica bem fechadinha mesmo. O preço de um fígado valeu a pena, pois cozinho feijão e mandioca como nunca e descobri a melhor parte da carne do boi para cozinhar no inverno, a paleta.

Nunca comi tanta carne cozida. Que coisa linda o trabalho de uma panela de pressão. Mas convenhamos, na pressão, todo mundo acaba trabalhando. Aquele prazo que já passou, aquela ligação que você não quer atender. Fugimos de tantas burocracias. Mas na pressão a coisa funciona. Se der uma seladinha antes de fechar a tampa então, melhor ainda. Bota cebola, alho, ervas, vinhos, salsão, cenoura. Não tem erro. Sal e pimenta do reino a gosto. Agosto de Deus. Pra quem não tem tempo de aguardar a carne na brasa, devagarzinho no carvão baixo e brando. O paciente método de sous vide é coisa para quem tem tempo, para quem tem equipamento. Nós não temos tempo. Pegue sua assadeira.

Mas essa vida de pressão grita e apita. E não sei se você já tentou fazer suspiro, mas o impossível para mim hoje não são os elaborados e deliciosos macarrons. O meu desafio é algo simples. Parece bobeira até. Mas dia após dia, noite após noite eu me perco no tempo e perco a receita.

Pensando bem nem tem receita. Certeza que você não tava anotando mesmo. Mas liga o forno.

O que tem é passado, é a necessidade de tirar excessos, de deixar ir o que precisa. Perder o coração mole e tornar as coisas mais, mais croc, mais crocantes. Deixa a reação de Maillard correr, usufruir dos benefícios saborosos de uma reação química. Do clarinho pro escurinho. A transformação, a evolução, o uso do fogo. O fogo que mudou nossa alimentação. Mudou tudo e boom. Enquanto eu filosofava sobre a vida, vaguei no espetáculo da culinária. Tentando passar uma receita, sem decidir se colocava azeite, se fazia pastinha de alho, se só coloca um rolinho de manteiga ou se nada fazia e tudo bem, enquanto ser ou não ser com gordura. Eis a questão do texto. Não digo nada, só digo:

“Nós não temos tempo, não queime a torrada.”

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