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Pequenas azedices

A experiência de algo azedo é peculiar. Quando “atingidos” pela acidez usamos praticamente todos os músculos do rosto e até puxamos o ombro para perto em uma careta, como se recolhendo para dentro; um exercício tanto quanto filosófico. Mas a acidez que banha de saliva minha boca é possivelmente uma falta de equilíbrio do PH e a reação natural do corpo quando sente a presença deste elemento. Bom, talvez eu não tenha avisado meu cérebro sobre essa nova visita e ele não se preparou para tal.

A acidez é efêmera. Rápida, como um flash. Quando se demora é como uma pessoa chata que incomoda. Quando ela vem como uma estrela cadente, é uma obra de arte inusitada, que nos move, me tira do lugar comum, me envaidece, me excita o paladar.

Pequenas doses de acidez combinadas com trigo e cevada e aveia e frutas e lactose e baunilha, podem ser milhares de coisas. Uma sobremesa como uma torta cheesecake deve ter quase todos esses elementos. Mas essa combinação é fácil demais. O pensamento deste prato, tão americano, está em nossas mentes gourmetizadas, mas quem resiste?

Ao longo dos últimos séculos, entender sobre as combinações de sabores é uma busca constante do ser humano. Depois que descobriu o prazer conectado à memória e construção de camadas e camadas de deliciosos gostos aliados a inebriantes aromas, as possibilidades são muitas.

No mercado cervejeiro gastronômico, surgem cervejas com acidez controlada, atenta e vívida, misturadas as frutas de quintal e de memória. Uma pitada de trigo aqui, uma medida leve de álcool acolá e pronto! Uma cerveja refrescante, mas que não precisa ser tomada muito gelada. Uma sensação “gélida”, mas que não vem da temperatura. Chamamos de refrescância.

A acidez em uma receita é o vinagre da salada, muitas vezes você coloca uma gota tão pequena que nem sente, mas o equilíbrio em relação ao sal e o azeite está lá. Ou então usa um balsâmico, trazendo profundidade de sabor e um toque inusitado e mais presente.

Careta no primeiro gole é quase sempre um fator obrigatório? Não; pequenas azedices podem estar apenas ali, coexistindo com os outros elementos protagonistas. Mas fazer careta é bom, vamos também enrugar a testa e comemorar a salivação.

Entender como pode ser complexo, descer ponto a ponto na basicidade aquosa. Básico só no número. Existem muitas técnicas para domar uma sensação tão potente, a batalha do equilíbrio não dá trégua.

Eu salivo só de pensar em uma cerveja com essas características. Comemoro cada rótulo lançado e me divirto pensando sobre as harmonizações, por cortes e até por complemento. Se você também salivou com o texto, abra uma cerveja com essas características e observe atentamente como sua boca/cérebro lida com esse primeiro impacto de quando chega a acidez. Um exercício divertido para o seu paladar.

* Esta crônica nasceu de uma foto no stories de uma amiga sommelière, a Paty Saka. Ela organizou as cervejas mais ácidas em uma foto e as mais amargas na outra. Comentei por inbox “pequenices azedices” e corri aqui porque salivei com o tema. Além do mais é aniversário dela hoje, que deve comemorar em grande estilo, e merece muito.

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