Muita gente (eu também!) ficou realmente feliz com o menu da posse do novo (velho) presidente. Pratos de diferentes origens, desde receitas clássicas europeias até gastronomia de povos nativos. Uma mistureba, assim como a cultura brasileira se moldou, que tem um pouco de tudo e é lindo. Pena que isso não se traduziu também para o que havia para beber, no menu, apenas um Gin Tônica. Nenhum vinho brasileiro, nenhuma cerveja nacional e a única bebida era a releitura de drink clássico europeu (o que gerou críticas até mesmo pela comunidade de mixologistas brasileiros).
O fato apenas explicita a relação pobre que a gastronomia possui com as bebidas nacionais, e pior ainda, com a cerveja. E óbvio, estou sendo parcial nessa análise. E claro, a gente deseja que isso mude.

Posso sugerir algo diferente, Bela Gil?
Meu desejo seria que a Bela Gil tivesse incluído no menu, vinhos naturebas com uvas americanas, drinks brasileiros com insumos brasileiros e claro, uma cerveja tupiniquim. Imagina que lindo não seria uma Catharina Sour de Graviola com aquele bolino de feijoada, um PETNAT de uva Isabel com o Ho´o xanena xupu ou uma Caipirinha com o Mousse de Cupuaçu?
Essa pobre valorização das bebidas nacionais nos cardápios tupiniquins mostra o quão desvalorizados estamos na gastronomia. Já estivemos piores, claro, hoje em dia grandes restaurantes oferecem drinks autorais com uma pegada nacional, vinhos naturebas já estão em menus dos restaurantes mais ousados, e mesmo as cervejas artesanais nacionais, que possuem participação quase nula, mostra tímidos movimentos neste caminho, aparecendo de forma raríssima em alguns restaurantes que tentam levar a harmonização com cerveja a sério. Entretanto, nada se compara o quanto as casas gastam em vinhos feitos com uvas “finas”. A regra geral é vinhos tintos e brancos feitos de “uvas finas” serão aqueles que combinam com gastronomia em geral.
Há mudanças no horizonte? Acredito que sim. A crise do modelo de “fine dining” está anunciada, a gastronomia brasileira tem mostrado passos rumo a uma cozinha com maior identidade brasileira e produtores de bebidas nacionais buscam cada vez imprimir identidade local em seus produtos.
E onde, como cervejarias, estamos neste panorama? Para trás, essa é uma boa resposta. Não por simples incompetência nossa, talvez o trabalho a ser feito pelo mundo da cerveja seja o mais complicado. Há preconceito contra a bebida. De regra geral, pouco se compreende o poder gastronômico dessa bebida. Chef´s e somellieres (fora os de cerveja) conhecem de pouco a nada de cerveja. Sommellier de vinho, pouco olha para cervejas. Chef´s, em sua formação, basicamente tem formação nula em relação ao que as cervejas podem oferecer como ferramentas para uma experiencia gastronômica mais completa. Para a grande maioria dos comandantes de cozinhas, cerveja é algo da Ambev ou algo da Heineken. Quando muito, oferecem alguma cerveja artesanal local, ou acreditam que Colorado ou Eisenbahn são marcas artesanais.
Há todo um contexto histórico para que esse fenômeno esteja formado e consolidado. Não existem culpados ou vilões tão pouco. O que existe é um desafio que temos de enfrentar. Abrir os olhos dos chef´s, dos sommeliers, das pessoas que comandam as adegas com maiores recursos.
Do lado de cá, temos de criar produtos que dialoguem com a identidade nacional, como o caso do Projeto Manipueira, com raízes claras em uma bebida ancestral de povos nativos. Mas não vai se resolver esse problema com latas entupidas de lúpulo ou com mais pilsen. Ambas podem fazer parte do repertório, mas o importante é uma identidade nacional que aproxime o produto aos pratos ali de cima.
O cardápio da Posse do Lula, pedido pela Janja à Bela Gil tinha como objetivo refletir a gastronomia brasileira. E foi isso que aconteceu, e mostrou o quanto nós, cervejeiros, e outros produtores de bebidas nacionais, se encontram escanteados. Bora mudar esse jogo?
