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Uma carta para Michael Jackson

Uma carta para Michael Jackson

Ribeirão Preto, julho na pandemia de 2021.

 

Oi Michael, é Bia aqui.

Depois da sua Morte Subite, em 2007 ainda demorei muitos anos até conhecer você. Precisamente, já que você é um escritor inglês, foram 13 anos. Ficaram um monte de dúvidas e um abismo entre nossas gerações e diferenças culturais que poderíamos passar horas falando sobre o assunto enquanto a gente ia dividir um pint de Fuller´s Chiswick Bitter, sua cerveja favorita. E um estilo que me agrada muito.

Você é para mim uma referência, como foi Jean De Clerk para você no começo da carreira. E também li Randy MosherGarrett Oliver entre outros autores que tiveram a oportunidade de te conhecer. Tenho lido muito o Martyn Cornell, fiquei fã dos textos difíceis e arqueológicos com bom senso. Ele fala sobre você neste artigo que conta sobre uma das suas mais importantes contribuições para os bebedores cervejeiros que curtem um pouco de taxonomia. Sou filha de taxinomistas de moscas, olha só a coincidência encontrada quando a gente quer!

O quadro que você deixou aqui quando veio ao Brasil estava junto ao meu início no mercado cervejeiro quando trabalhei lá na Rua Minas na fábrica da Colorado. Minha primeira IPA foi a Indica, que estava citada no seu autógrado “To Marcelo, Great Indica. Cheers, Michael Jackson. 5/09/1998.” pindurado na parede da fábrica, um altar que a gente passava por ele todo dia. Você vivenciou por nossa burocracia quando esteve aqui, e digo tristemente que até hoje tá fodendo o esquema com altos impostos aos pequenos negócios.

Eu moro em “Heeberon” como você disse que é a pronúncia. Imagina, a gente pode ter cruzado um mesmo farol. Eu indo para a minha aula do segundo colegial e você indo conhecer o Brew Pub do Marcelo Carneiro, que ficava apenas a 2 quadras de distância da escola. Que divertido ler seu texto sobre a viagem e ver o Pinguim, tão famoso, sob seus olhos e aquela montanha de gelo. Não tive a oportunidade de provar sobre a Amber Ale que você conta, que pena.

No Brasil

Uma coluna tipo a sua “This is your Pub” chamaria “Este buteco lhe pertence”, no mínimo divertido. No país (talvez Minas Gerais seja meu sonho de boteco favorito – Jacinta entrega pufavor) temos até concurso culinário de iguarias dos bares tradicionais, você com certeza curtiu nossos petiscos. No meio desta pandemia do século XXI, você acredita eu chego até a sonhar com o pastel de carne? Sinto detalhadamente o devaneio sensorial da azeitona (com ou sem caroço, a saudade é tanta), o ovo cozido, a salsinha bem picada, só um quadrante de queijo e aquela massa quentíssima que na primeira mordida, aos desavisados, bafora vapor quente. American Lager acompanha, nunca critiquei.

Fiquei cruzando aqui as informações e andei divagando que você lançou sua editora na década de 70, a Quarto. Cruzando para o tempo atual, estou ouvindo Bob Marley e escrevendo meu capítulo sobre a Escola Cervejeira no home-office, no meu quarto. Neste artigo sobre as cervejas brasileiras estou mais é falando sobre a não existencia de uma escola (ainda!) e puxando algumas reflexões sobre o assunto. É para meu primeiro livro, um collab com um monte de sommeliers e gente da cerveja. Espero que você goste. Divertido pensar que o seu primeiro livro foi The English Pub.

Somos sonhadores de  uma nação cervejeira? O Marcio Beck, jornalista, fã também do senhor, cita sua influência no mercado norte-americano na participação dele neste Guia que estamos quase entregando. Acredita que ele até conseguiu comprar o The Essentials of Beer Style: A Catalog of Classic Beer Styles for Brewers & Beer Enthusiasts (Eckhardt, Fred 1989), que raridade. Coisas tão geek quanto quem tá lendo essa carta fictícia. Coisa boa ter gente que nos entende.

“O meu nome é mesmo Michael Jackson, mas mas eu não canto e nem bebo Pepsi.

Eu viajo o mundo provando cervejas, é disso que eu vivo. É um trabalho duro, mas alguém precisa fazê-lo”.

Assim como você, eu não gosto de falar sobre cervejas que não gostei de beber. Quando me formei em 2010, a Cilene Saorin citava você no curso de sommelieria e sigo até hoje essa filosofia. Haja cerveja ruim, mas como também tá cheio de outras coisas (comidas, bebidas e tudo no mundo) demandam mais qualidade, tempo, estudo e todos os parâmetros e protocolos. Imagino séculos atrás antes da revolução do século XVIII. A gente tá reclamando de fígado cheio não é mesmo? Claro que  se precisar eu escrevo direto para a fábrica, explicando como foi a minha experiência, ruim.

O início

Em 1980, quando você fez seu primeiro jantar nos Estado Unidos eu, e muito menos a Pri Colares, tínhamos nascido. Desencontramos por pouco (no caso, como fã, queria também ter conhecido Hildegard). Aí, sabe, no meio da pandemia, exatamente 1 ano atrás, eu e ela (a Colares e não a Bingen) resolvemos unir forças, cérebros, livros, links e horas a fio e estudar sua vida, que resultou em um divertido evento. Quero, neste momento, pedir desculpa pela invasão de privacidade. Mas fomos uma dupla da 221b Baker St, London NW1 6XE, Reino Unido. Elementar meu caro.

Mesmo falando durante 5 horas e bebendo várias cervejas super clássicas inglesas, ainda faltou contar um bom tanto que descobrimos sobre você, pessoa sempre curiosa e em busca de novas histórias cervejeiras, mas humano – como todo mundo. Com off-flavours inclusive. Cheias de narrativas bem construídas é isso que eu gosto em você. Como conta as histórias e compartilha sobre os lugares que passa e as pessoas que conhece.

“You simply cannot have real ale without real pubs.”*

Acho que você, vivendo aí em London teria orgulho do que entregamos e o passeio pela escola inglesa que fizemos. Todos a bordo em dois dias de um evento cervejeiro crowd. Foi épico. Um ano atrás, cem horas de estudo, se não foi muito mais. Lives, papos e afters, só faltou mesmo você.

Com seu programa o Beer Hunter, em 1989, muita coisa se desdobrou dali. “Alou Marcas” (Despirite, Instagram, 2020) eu e a Pri seremos ótimas Beer Hunters também, Netflix, olha a oportunidade! Teremos? Um brinde aos sonhos possíveis. Quem sabe nasce uma versão mais moderna do livro de cervejas Belgas? O plot twist da tradição com a modernidade tiktokizada. Mas eu sofro, pois minha alma é velha como a sua.

“Each great brewing nation has its own way of loving beer, and the Belgians have a poetic passion for it.” **

A gente (eu e Pri e muitas outras pessoas), gostamos como você curte uma certa treta cervejeira. No seu caso nem fiz força para achar algumas cutucadas culturais (AQUI, AQUI e AQUI). O que concordamos, mais uma vez, é que as cervejas frescas, quase sempre são as melhores.

Michael Jackson “O bebedor pensante”. Revista All About Beer, 1984

No vídeo do Shelton Brother´s, e vale dizer que é o seu o último vídeo da vida, foi bem emocionante assistir tantas vezes. Eu sou bagunceira das tralhas cervejeiras, mas olhaaaa, você juntou muita coisa, itens de todos os tipos. Inclusive mais do que a Pri, mas ela tá só começando (LOL). Será que seremos assim? Um Museu Cervejeiro de Coleções Aleatórias (#quero). Aliás, cada raridade maravilhosa que esses caras da Shelton vendem, haja sabedoria para uma curadoria assim, que sonho. Falando em sonho, tá na hora de acordar.

Aqui na Terra Duvel parece que só a cerveja, em intensos momentos, presta para nos tirar um pouco da realidade. Logo mais, no fim de agosto é quando marca a sua morte. Mas a vida é um jogo não é mesmo? E no fundo do copo, só me parece que dá voltas voláteis e tudo está conectado ?!

Só uma pergunta antes de ir: Deus só é boa no céu?

 

* (tradução)  Você simplesmente não pode ter cerveja de verdade sem pubs de verdade.

**(tradução) Cada grande nação cervejeira tem sua própria maneira de amar a cerveja, e os belgas têm uma paixão poética por ela.

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