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Ooooooo Carmem

Parreiras da uva Carmem terroir brasileiro. Foto: Arquivo Pessoal

O parreiral no caminho para chegar até a Carmen, na Zona Rural de Monte Belo - RS (foto Diego Simão Rzatki)

– E ai, queres conhecer a Carmem?

A pergunta me pegou meio de surpresa, mas respondi com um altivo “claro!”. Ué, depois de levar um tempo considerável para chegar ali, não iria perder a chance.

É lá em cima, dá uma caminhadinha.

Olhei para meus pés e fiquei meio aflito, estava de bermuda e tênis. O caminho passava entre parreiras, o que dava um alívio no sol de rachar, o “porém” era o mato alto no caminho, minhas canelas não iam gostar muito. Fui tenso, mas faz parte do aprendizado. Queria ver a Carmem.

Seguimos em frente. Logo fiquei com inveja da bota do anfitrião, mas apesar de morro acima e raspando minha canela no mato, o caminho entre parreiras era um mundo diferente do meu dia a dia de chão de fábrica.

Uma caminhada de pouco mais de um quilometro morro acima, estávamos quase lá. De longe ele apontou e lá estava a casa da Carmem.

Nosso guia, Acir Boroto, explicando no caminho como foi a produção de uva na safra 2022. A bota fez diferença. (foto Diego Simão Rzatki)

Estamos chegando. – Sentenciou pro meu alívio.

Chegamos e ela estava linda. Negra, quase violeta, meu primeiro pensamento foi de como deveria ser gostosa. Já madura, mas meio enrugada de estar sob forte sol, o aspecto era super saudável.

Pode pegar! Insistiu meu guia.

Não tive dúvidas. Estendi minha mão, agarrei e mordi. Apesar do sol, e certa temperatura da pele, estava deliciosa por dentro. Saboreei o momento, era delicada e menos expressiva que a Isabel, e logo imaginei, como as duas juntas seriam uma boa combinação.

Finalmente a Carmen. Uva tinta desenvolvida pela Embrapa. Uva com notas de frutas vermelhas, mas mais discretas que as parentes Isabel e Bordô. (foto Diego Simão Rzatki)

Carmem é uma uva tinta elegante, mas pouco conhecida do público. Até mesmo para mim, até poucos anos atrás. Carmem não estava no meu radar para usar nas cervejas selvagens com uva, mas Acir Boroto, talvez um dos produtores de uva orgânica mais importantes do país, me incentivou a pensar nela para usar em minhas cervejas. E lá, do alto do morro, me dei conta que a Carmem poderia ser uma base para receber contribuição de uvas mais expressivas em um blend futuro.

 

Estar no campo para escolher o ingrediente, junto com o produtor, te dá a vantagem receber conhecimentos os quais você não tem.

Conheço muito bem sobre as cervejas que estão e cada barril da minha fábrica, Acir conhece cada uva de seu parreiral. Você recebe conhecimento de quem convive com o insumo o tempo inteiro, a gente não consegue ter essa inteligência.

Em um universo cervejeiro permeado de terpenos, extratos e outros truques que ajudam a manter a repetibilidade do produto, esse tipo de convívio com o insumo parece estranho. Ingredientes industrializados chegam descritos num PDF enviado via WhatsApp com vocabulário científico, focando em padrão e em rendimento. Impessoal e estéril.

O universo industrial vê repetibilidade como sinônimo de qualidade, enquanto trabalhamos com cervejas com terroir, temos que virar a chave. Estar aberto as variações e a insumos que são adaptados as condições brasileiras. Uso de uvas americanas é um exemplo, produzem melhor nas condições tupiniquins, e por conta disso, são mais acessíveis em volume e custo. Mas todo ano o insumo muda, um ano chove mais, outro menos, e isso reflete no produto. Cada safra terá uma identidade, cada ano o produto terá diferenças, apesar de se enquadrar em uma identidade geral, teremos resultados diferentes. Cada safra, uma novidade. Não é disso que o povo gosta?

Uva Carmem, um cacho de terroir. Foto: Diego Simão Rzatki

Cervejas com terroir não é território novo, é retorno à uma produção menos padronizada, mais rústica, humanizada, local. Microorganismos locais, fermentação em temperatura ambiente e foco em insumos de origem ajudam a explicitar os sabores locais e contam histórias concretas, reais, de onde essas cervejas surgem. Uma fração das inúmeras experiências e características que compõem o complexo quadro que chamamos de brasilidade. Aquilo, sabe?, que tanto desejamos em transformar em uma escola.

 

Bora incentivar os produtores?

Acir Boroto não apenas produz uva, mas também elabora vinhos e espumantes orgânicos. Fica a dica de procurar por ele, os quais você consegue comprar diretamente do produtor, basta procurar ele no instagram @famigliaBoroto.

 

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