Queijo de geração pra geração

Queijo de geração pra geração

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Das memórias afetivas que a gente tem, as melhores – na minha opinião – quase sempre têm a ver com comida. E escrever essa matéria sobre queijos me trouxe as melhores lembranças do meu avô e da minha avó, com quem aprendi muito e tomei gosto pela cozinha. Ela fazia de tudo. Já dele, só me lembro dos queijos.

Logo pela manhã, ia ao sítio colher as frutas e verduras da época e o leite que ele mesmo tirava na ordenha e colocava para ferver. Já em casa, se ocupava em preparar o coalho, peneirar o soro, enformar os queijos e deixá-los descansando durante a noite. A muçarela em trança era mais trabalhosa. Meu avô usava luvas para não queimar as mãos e conseguir trançar aquele queijo na água fervente sem perder o ponto.

Ao visitar os produtores de queijo da região de Ribeirão Preto, vi que as histórias se repetem e que a arte de fazer um bom queijo é passada de geração para geração.

Da Itália para Cássia dos Coqueiros

Ao chegar em Cássia dos Coqueiros-SP para conhecer a produção orgânica dos queijos da Terra Límpida, me deparei com uma cooperativa de italianos que vive lá desde 2014. Doze pessoas se revezam entre os cuidados com o gado, horta, plantação de café e milho, além da produção artesanal de 10 tipos de queijo.

Fui recebida pela Patrizia Alberti, que me contou a história toda. “Há 30 anos, trabalhamos dessa mesma maneira na fazenda orgânica Poggio di Camporbiano, em San Gimignano na Toscana. Somos em dezessete sócios e, hoje, alternamos temporadas entre Brasil e Itália para trocar experiências, receitas e para visitar nossas famílias que ficaram lá”.

A relação com o Brasil é resultado de uma visita dos alunos da Universidade do Rio Grande do Norte a terras italianas e do subsequente convite para apresentarem o modelo de agricultura sustentável aqui no Brasil. “Viemos visitar o sítio de um amigo aqui em Cássia dos Coqueiros e durante a nossa estadia soubemos da venda da fazenda vizinha. Tudo conspirava para estarmos aqui, não poderíamos perder essa oportunidade”, conta Patrizia, animada. E para a nossa sorte, há quatro anos, essa turma de italianos aplica o mesmo modelo de agricultura orgânica e sustentável em solos brasileiros.

Os queijos “dos italianos”, como são conhecidos em Ribeirão Preto, podem ser encontrados nas feiras orgânicas itinerantes que acontecem aos finais de semana na cidade. Pedidos por e-mail também são aceitos, com entregas semanais. Mas pra mim, o melhor jeito de apreciar essas iguarias com sotaque estrangeiro é indo até lá. A Terra Límpida abre a porteira para o turismo rural e recebe visitantes aos sábados para um típico almoço italiano, com direito à degustação dos queijos e outras especialidades. “Só é preciso agendar com antecedência. Como tudo é preparado por nós, precisamos de dois dias para que os pães e pizzas de fermentação natural fiquem prontos”, explica Patrizia, que também é encarregada da lida com o gado. Tanto carinho e dedicação refletem na doçura dos animais, que garante queijos maravilhosos.

Já pelas mãos cuidadosas da outra sócia Cristina Travesso, muçarelas, burratas, ricotas e frassinelas são produzidas diariamente na queijaria. “Todo dia me encanto no momento que jogo a água quente para a muçarela chegar no ponto, acho isso maravilhoso”, conta Cristina com sorriso no rosto, enquanto estica e puxa o queijo. O respeito pela cultura e tradição italianas me fez viajar para a Toscana, mesmo que por pouco tempo e sem nem precisar sair da região.

O paraíso das cabras

Além de resgatar as nossas raízes agrárias e valorizar o pequeno produtor, o turismo rural nos permite acompanhar de perto o cultivo e o manejo dos alimentos que consumimos, especialmente os queijos artesanais. Essa é a proposta do produtor de queijo de cabra Joaquim Ferreira, da Cabana da Fonte, em Jaboticabal-SP.

O Bistrô Cabana da Fonte, espaço para receber e servir almoço aos visitantes, fica na mesma propriedade em que o empresário cria as cabras e produz os queijos e embutidos. “Eu mesmo monto as tábuas, tudo é bem artesanal”, diz.

Queijos de cabra feitos à mão e com receitas criadas na casa | Foto: Ste Frateschi

Com uma produção 100% artesanal e familiar, a Cabana da Fonte surgiu em 2005 quando Kathleen, esposa de Joaquim, foi diagnosticada com alergia à proteína do leite de vaca. Na época, Joaquim já sabia fazer queijos e, então, comprou algumas cabras para consumo próprio. A pequena criação cresceu e hoje são 40 cabras e uma produção de 50 litros de leite por dia.

Na linha de produção, além de Joaquim está Vinícius, o filho mais velho e Kathleen. “Eu faço a ordenha da manhã, o Vinicius a da tarde e a Kathleen fica no comando da queijaria”, conta Joaquim, orgulhoso. A Cabana da Fonte produz 15 tipos de queijos de cabra que, além da venda para o consumidor final, abastecem famosos buffets de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Joaquim Ferreira, do Cabana da Fonte: produção de queijos de cabra após diagnóstico de intolerância à lactose da esposa | Foto: Sté Frateschi

Via Whatsapp

Bem pertinho de RIbeirão, em Cravinhos-SP, encontrei os proprietários da Fazenda Lagoa, produtores dos queijos que levam o mesmo nome. A história aqui começou em 1961, com o fazendeiro Arnaldo de Souza Meirelles. Naquela época, a fazenda era exclusivamente leiteira, mas o tempo passou e o leite perdeu espaço para a cana de açúcar.

Nos anos 2000, a fim de resgatar a história e agregar valor ao leite que ainda era produzido, o filho de Arnaldo, Luiz Alfredo, começou a fazer queijos. “Há dois anos, o negócio ganhou mais força quando ele fez um curso na área de laticínio e eu passei a cuidar da área comercial”, explica Fernanda Meirelles, esposa de Luiz Alfredo.

“Com uma produção diária de 200 litros de leite, fazemos seis tipos de queijos. Entre a muçarela em manta, nó e palito, o minas frescal, o meia cura e o fresco, vendemos, em média, 50 peças por dia”, conta Fernanda.  A maioria das vendas é feita pelo WhatsApp, mas também é possível encontrá-los em feiras em Ribeirão Preto.

Case da Canastra é inspiração

Já que estamos falando em tradição, os queijos da Canastra, feitos da mesma maneira há 200 anos, não poderiam ficar de fora da matéria. O que poucos sabem é que Canastra não é o nome do queijo e sim a região onde são produzidos.

Eu, particularmente, sempre quis saber como identificar um autêntico Canastra, já que muitos lugares anunciam a venda dos premiados queijos. Fui conversar com o Thiago e a Almiriam Reis, proprietários da simpática loja itinerante Pedacinho da Canastra, em Ribeirão Preto. “Existe uma área delimitada pela Indicação de Procedência Canastra em que apenas sete municípios fazem parte. Além disso, os queijos precisam estar identificados com um selo que assinala a origem e garante que aquele produto seguiu o modo de produção indicado pelo uso”, explicou Thiago.

Em 2011, a produção de queijo artesanal foi regulamentada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). A norma prevê a maturação de queijos por período inferior a 60 dias e define também que o produtor siga as normas do Programa de Boas Práticas de Ordenha e Fabricação. O objetivo seria garantir a qualidade dos produtos, mas o que vi por aí é que em vez de facilitar, estas normas, um tanto burocráticas, dificultam o mercado e criam obstáculos para os pequenos produtores.

Eu, amante de queijo, passei esses últimos dias provando o que há de melhor aqui na região. Então, deixo o convite para irem conhecer esses produtores também. Vamos olhar de perto como são feitos os alimentos que levamos para a nossa mesa. Saborosas surpresas estão mais que garantidas.

Queijos certificados da região da Canastra | Foto: divulgação 

VISITE!

Cabana da Fonte (Jaboticabal)
Visitas e pedidos: (16) 98147-9451
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Pedacinho da Canastra (Ribeirão Preto)
Contato:  (16) 98186-1714
Facebook
Loja online

Queijo Lagoa (Cravinhos)
Pedidos: (16) 99172-7580

Terra Límpida (Cássia dos Coqueiros)
Almoço: R$ 70,00 por pessoa
agendar pelo telefone (16) 99723-8813
Pedidos: terralimpida@gmail.com
www.terralimpida.com

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