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Entenda de uma vez por todas o novo decreto da cerveja publicado pelo MAPA

Muitos foram os links compartilhados com títulos esbravejantes como “festa do milho e da pipoca”. Milhares de piadinhas e memes que nós, brasileiros, sabemos bem criar. Tudo porque o governo publicou, na última terça-feira (9), o novo decreto 9.902/2019, referente à produção cervejeira. E a partir de então, muitas pessoas do próprio mercado e amantes da bebida reduziram um monte de informação a conclusões bastante precipitadas e incompletas.

Um exemplo de “comida de bola”, foi a reportagem que o jornal Valor Econômico havia postado nas redes. O texto dava a entender que o decreto mudava o limite autorizado de milhos e cereais na composição da receita. O link foi retirado do ar e o jornal atualizou a matéria e o título da reportagem com a informação correta de que o limite não foi modificado.

A Farofa, curiosa para entender melhor sobre a novidade, entrou em contato com o MAPA e conseguiu uma entrevista exclusiva com Carlos Müller, que é coordenador geral de vinhos e bebidas do Ministério da Agricultura, Pecuária e do Abastecimento (MAPA) .

Organizamos as informações mais importantes abaixo:

Qual a diferença entre decreto e instrução normativa?

Enquanto o decreto depende de aprovação presidencial, a instrução normativa é definida pelo próprio Ministério.

Instrução normativa: Este último trata-se de um documento de organização e ordenamento administrativo interno destinado a estabelecer diretrizes, normatizar métodos e procedimentos, bem como regulamentar matéria específica anteriormente disciplinada a fim de orientar os dirigentes e servidores no desempenho de suas atribuições.

Decreto: No sistema jurídico brasileiro, os decretos são atos administrativos da competência dos chefes dos poderes executivos (presidente, governadores e prefeitos). Um decreto é usualmente utilizado pelo chefe do poder executivo para fazer nomeações e regulamentações de leis (como para lhes dar cumprimento efetivo, por exemplo), entre outras coisas.

As cervejas agora poderão ser feitas sem malte e sem cevada?

Não. O novo decreto não altera o limite mínimo de utilização de malte de cevada nas cervejas. Não há qualquer mudança em relação aos chamados adjuntos cervejeiros, que são as matérias-primas que substituem parcialmente o malte ou extrato de malte na elaboração da bebida. O seu emprego não poderá, em seu conjunto, ser superior a 45% em relação ao extrato primitivo. Este limite é definido pelo item 2.1.5. da Instrução Normativa n°54/2001, que continua em vigor.

Permissão inédita: tchau “bebida mista”

A mudança positiva, de fato, foi a autorização inédita para incluir leite, mel e chocolate com leite nas bebidas. Ou seja, cervejas que antes utilizavam esses ingredientes precisam esclarecer no rótulo que eram bebidas mistas (e não cervejas). Agora, elas são, efetivamente, consideradas como cerveja.  Por exemplo, antes as bebidas podiam usar nibs de cacau, mas não o chocolate em si, já que vai leite em sua composição. Porém, as cervejas estrangeiras chegavam com esses ingredientes e o título “cerveja”, uma injustiça com a cerveja brasileira.

Este foi o fato mais comemorado por cervejeiros da pequena industria nas mídias sociais, mas fique atento, somente esses ingredientes citados é que ganharam a permissão para entrar nas receitas. Outros ingredientes que estão nos artigos, não! Nem tudo foi liberado.

Há sete anos tentando atender indústria, mercado e consumidor

Este processo estava sendo escrito desde 2012 e passou por muitas mãos. “O mais importante era alterar o decreto, mas só quem faz isso é o presidente da república. Foi e voltou várias vezes em 2015 e 2016 da Casa Civil” comentou Müller.

Agora, quando precisar de alteração para a chegada de novas tecnologias e para modernizar processos de produção, a instrução normativa é mais fácil de mudar. Os textos estavam diferentes entre decreto e instrução, portanto, era preciso atualizar e unificar os documentos.

No final, um texto foi acordado aliando opiniões entre a grande indústria, os pequenos produtores e o consumidor. “A norma é para o mercado, para toda a cadeia produtiva. Agradamos a gregos e troianos” apontou Müller.

O jornalista Marcio Beck, que em 2013 escrevia para o jornal O Globo, na época (06/02/2013) fez uma matéria sobre o assunto. Ou seja, isso estava parado em uma pilha antiga de papéis e burocracias. (Link da matéria AQUI)

Agora vamos ter mais ‘cerveja de milho’?

Sobre as fake news a respeito da permissão de maior quantidade de adjuntos e cereais não maltados, o posicionamento é bastante claro. “Estamos trabalhando para diminuir a desinformação quantos aos ingredientes utilizados em todas as bebidas e promover o emprego e valorização das matérias primas características, como o malte”.

Se, por um lado, o decreto causou certo estranhamento pela impressão de que a cerveja agora poderá ter mais química e aditivos, a alteração é benéfica à produção de cervejas. Isso porque passa a permitir que os atos normativos sejam atualizados constantemente, “mantendo a norma brasileira em compasso com as tecnologias e ingredientes mundialmente utilizados”, comentou Müller. “Como toda a padronização agora está na Instrução Normativa, não haverá mais necessidade de alterações no decreto.”

Rótulos gringos podiam chegar com adição de derivados de animais com o rótulo de “cerveja”. Agora a brasileira também pode sem precisar ser especificada como “bebida mista” | Foto: Fran Micheli

Amostras guardadas

Fique atento aos artigos 92 ao 94. As cervejarias precisam ter garrafas guardadas para amostra do produto se necessário.

“Art. 92.  Para fins de fiscalização, poderá ser procedida a coleta de amostra do produto ou da bebida de que trata este Decreto, constituída de três unidades representativas do lote ou partida, as quais serão direcionadas da seguinte forma:                (Redação dada pelo Decreto nº 9.902, de 2019)

I – uma unidade da amostra para a análise de fiscalização;                (Incluído pelo Decreto nº 9.902, de 2019)

II – uma unidade da amostra para a análise pericial ou perícia de contraprova; e                (Incluído pelo Decreto nº 9.902, de 2019)

III – uma unidade da amostra para a análise de desempate ou perícia de desempate.                (Incluído pelo Decreto nº 9.902, de 2019)

§ 1º  O disposto no caput não se aplica aos casos em que a constituição das três unidades para fins de amostra inviabilize, prejudique ou seja desnecessária para a realização da análise do produto ou bebida.               (Incluído pelo Decreto nº 9.902, de 2019)

§ 2º  Ato do Ministro de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento estabelecerá os critérios para a definição da necessidade de constituição de três unidades para fins de amostra.                (Incluído pelo Decreto nº 9.902, de 2019)

§ 3º  O disposto neste artigo não se aplica à análise de que trata o art. 93.                (Incluído pelo Decreto nº 9.902, de 2019)

Art. 93.  Para efeito de análise de controle, será procedida a coleta de uma unidade de amostra representativa do lote ou partida.

Parágrafo único.  Para efeito de desembaraço aduaneiro de matéria-prima ou bebida estrangeira, proceder-se-á à análise de controle por amostragem.

Art. 94.  O resultado da análise de fiscalização deverá ser informado ao fiscalizado, ao produtor e ao detentor da bebida, quando distintos.

Registro online: menos burocracia para o cervejeiro

Faz alguns anos que os embates entre cervejeiros e o governo estão diminuindo e o Ministério da Agropecuária e Abastecimento vem evoluindo seu olhar e suas metodologias.

Cervejeiros que antes criticavam a forma arcaica com que o registro era feito, agora poderão se beneficiar com o novo formato online e bem mais rápido. Ainda existem questões a serem avaliadas, mas é bom poder comemorar de vez em quando. A determinação vigora desde março deste ano e possibilita que novos produtos sejam registrados online, sem papelada. O Guia da Cerveja fez uma matéria explicativa na ocasião.

Mais transparência e cuidado com o que é colocado à venda

O MAPA acolhe todos os tipos de alimentos e bebidas e precisa olhar o mercado de maneira generosa, mas também com precaução.  O coordenador comenta que a bebida precisa ser vendida como ela é, com sua identidade verdadeira. “Porém, a bebida não pode causar danos à saúde do consumidor”. Ele ainda comenta que as descrições precisam ser bem claras no rótulo, para o consumidor não ser enganado. “Não pode imitar outra bebida”.

O mundo todo trabalha essas questões e o Brasil está observando outros países e adaptando à nossa cultura. Carlos admite que o país é até mais liberal que em outros lugares.

E para finalizar, que fique claro: a única mudança real nas normas é a permissão da inclusão nas cervejas de matérias-primas de origem animal, como leite, chocolate com leite e mel.

Mais informações no site do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

* Atualização feita 11/07/2019 às 9h10. Incluindo os artigos 92 a 94. E a citação de que alguns ingredientes não são permitidos ainda em cerveja e as bebidas são enquadradas como mistas.

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