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Cerveja, machismo e um pedido de desculpas

Em março deste ano, mais especificamente no Dia Internacional da Mulher, a Skol assumiu publicamente que iria passar por uma reformulação de imagem. Isso depois de anos explorando a imagem erotizada da mulher em sua publicidade para atrair o público masculino.

Com o passar do tempo, questões de gênero, machismo e misoginia foram sendo abordadas com a ajuda das mídias sociais. No caso das mulheres, campanhas populares contra o machismo colocaram no centro do alvo, entre outras coisas, a forma com que a publicidade expunha a figura feminina em troca de vendas.

A Skol, numa tentativa de também agradar a esse novo pensamento, pediu desculpas pelas loiras seminuas retratadas em seus comerciais servindo o copo dos homens. A intenção agora é dialogar com um público mais consciente e menos vulnerável à publicidade tradicional.

Campanha Skol (2010). Imagem: reprodução

A opinião do psicólogo

Nós, da Farofa, conversamos com o psicanalista Rafael Zeri sobre como o machismo se embrenhou na publicidade e ele disse que a cerveja não é o único segmento a diminuir o papel feminino. A publicidade, diz ele, sempre foi um reflexo da estrutura social na qual vivemos.

“Uma vez que o álcool é em maior parte consumido por homens, ou socialmente é mais aceitável que seu consumo seja feito pelos homens, a propaganda seria mais produtiva se direcionada a este público. O erótico foi sendo desnudado com uma permissão da própria sociedade, inclusive decorrente de uma liberdade conquistada pelas próprias mulheres”, explica.

Ele ainda cita que a sexualidade da mulher, há décadas, é vista como motivo de chacota ou ofensa e que isso serviu de munição para a publicidade. “Note que alguns dos xingamentos mais corriqueiros às mulheres como galinha, biscate, vadia, etc… trazem à tona uma “sexualidade” deturpada da mulher, enquanto promíscua. Não se xinga um homem de galinha, mulherengo, vadio, etc… É curioso notarmos que é mais comum um homem ser xingado de “corno” do que uma mulher – no que este xigamento direciona-se à parceira amorosa do homem. A mulher chega a ser ofendida até mesmo quando se busca ofender o próprio homem. É bizarro!”.

Campanha Skol (2010). Imagem: reprodução

“Não me parece que um homem imagina que estará com aquela mulher que a propaganda associa à marca. Ele toma a cerveja sabendo que não a terá, mas a mulher permanece associada a isso. A lógica que ocorre é algo do tipo: não terás esta mulher, contente-se com a cerveja”.

Para Rafael, a intenção de uma marca se “retratar” diante da sociedade tem muito mais a ver com vendas do que com princípios. “Não vejo, absolutamente, como uma retratação desta empresa às mulheres, mas sim que tal empresa busca apenas acompanhar um movimento da sociedade, de uma resistência ao machismo e, assim, não perder um nicho de consumidores, consumidoras”.

Para entender o que se passa com a publicidade popular cervejeira, entrevistamos o gerente de marketing da Skol, Daniel Feitoza, que defende que a transparência é a melhor estratégia para conquistar o público, novo ou já cativo.

Daniel Feitoza, gerente de marketing da Skol. Foto: divulgação

Farofa – Durante décadas, a cerveja foi associada à figura erotizada da mulher. Você acredita que a publicidade seguia o senso comum e reproduzia o comportamento de uma época?

O segmento de cervejas era machista e isso se refletia nas comunicações de toda a categoria. Mas Skol sempre foi uma marca de espirito jovem e conectada com o que é atual. O jovem de hoje quebra padrões e está mais aberto ao novo. E nós refletimos isso. Já há alguns anos, SKOL e Ambev já não fazem mais campanhas machistas. Não temos a intenção de esconder o passado, mas sim de aprender com ele para que a gente possa sempre evoluir. Desde 2016 fizemos uma série de ações nessa direção, entre elas a do Reposter, feita em março de 2017. Foi um movimento que propôs a releitura, com a participação de oito artistas mulheres, de pôsteres que usamos em campanhas publicitárias bem antigas. Peças que hoje não representam mais os valores e compromissos de Skol e da própria Ambev.

Farofa – Depois de diversas acusações de misoginia e machismo, como tem sido o feedback do público com este reposicionamento?

A recepção tem sido extremamente positiva. Existe uma relação mais direta entre as marcas e os consumidores, que estão cada vez mais abertos.  Quando uma marca fala de peito aberto e propõe uma verdade, o público naturalmente fica mais receptivo. Enquanto vemos que a intolerância desune as pessoas, sabemos que é o respeito que as une. Esse é o posicionamento firme da nossa marca e nossos canais nas redes sociais também nos ajudam nessa caminhada.

Campanha Reposter (2016)

Farofa – A mudança de posicionamento da Skol deve-se à real conscientização social sobre o papel da mulher ou foi uma maneira de apenas evitar a negativação da imagem com as acusações e processos?

Tudo o que está acontecendo com Skol começou dentro da própria Ambev e agora está mais claro para toda a sociedade. Acreditamos que para ser de verdade, esse movimento tinha primeiro de partir de dentro para fora. Então, há alguns anos a Ambev começou a avaliar como realizar essa mudança internamente. Uma das formas adotadas foi um processo de juntar grupos com afinidades entre si para avaliar com mais propriedade as principais mudanças que precisavam ser feitas dentro da companhia. Em 2016, nossos funcionários criaram os Employee Resource Groups que são grupos de pessoas que, por compartilharem os valores de autenticidade, uniram-se para discutir melhorias que garantam a diversidade no nosso ambiente de trabalho. O grupo LGBT recebe o nome de LAGER (Lesbian and Gay and Everyone Respected) e o grupo de mulheres é o WEISS (Women Empowered Interested in Successful Sinergies). Nesse movimento para abrir a marca para a diversidade, nos unimos a muitos parceiros que nos ajudaram e ajudam muito em todas nossas comunicações. Temos um consultor de diversidade, o Ricardo Sales, professor, palestrante e pesquisador na USP que estuda sobre visibilidade LGBT na comunicação e também sobre diversidade no trabalho. Ele tem sido um grande parceiro. Na campanha SKOLORS, por exemplo, tivemos o apoio fundamental do MOOC, coletivo que pretende influenciar as pessoas a testar novos olhares e diferentes pontos de vista sem aceitar estereótipos.

Farofa – Em relação a vendas, algo mudou depois do reposicionamento publicitário?

Por ser uma empresa de capital aberto, a Ambev não pode abrir seus números de venda.

Críticas marcaram a última campanha da Skol antes do reposicionamento. Imagem: reprodução

Farofa – Como você avalia o papel da publicidade no desenvolvimento de uma sociedade?

Podemos falar apenas por SKOL, mas seguramente estamos muito felizes com o caminho que estamos trilhando neste sentido. Temos evoluído nossa comunicação e a última ação que podemos citar é a pesquisa SKOL Diálogos, feita em parceria com o Ibope Inteligência.  Percebemos que poderíamos contribuir de forma mais profunda ao trazer dados recentes sobre o preconceito, colocando luz neste debate e propondo uma reflexão sobre como nossas atitudes podem afastar ou unir as pessoas. O diálogo aproxima e conecta as pessoas, derruba as barreiras que nos separa e essa pesquisa nos dá consistência para continuarmos essa conversa de maneira ampla e transparente convidando a todos a participarem na construção de um mundo mais redondo e unido.

Farofa – Como foi o processo de reconhecimento de uma nova época para a publicidade cervejeira e quais as primeiras ações tomadas?

Sempre precisamos estar um passo à frente, ser pioneiros. Essa é a base de ser de Skol e foi dela que partimos. Fazemos isso refletindo a atualidade e, principalmente, debatendo com nosso público, aprendendo juntos para continuar pensando, trabalhando no assunto. Acreditamos que estava na hora de falarmos abertamente sobre determinados temas e o respeito ao próximo é um deles. Mas não queremos fazer apenas o trivial, queremos ir além. Nesse ponto, o ano de 2016 foi bem importante, relevante para SKOL. Foi um ano de refletir de forma clara as mudanças na sociedade, de reflexão e de sair da zona de conforto também levantando a bandeira do respeito. Em 2017, aprofundamos essa relação e construímos vínculos ainda mais fortes. Para 2018, nossa mensagem é direta: “Tá redondo, tá junto”.

Campanha Verão Skol – Viva a Diferença

Farofa – Qual o impacto que este reposicionamento pode ter em futuros consumidores?

A transparência é chave no relacionamento com o público. Uma relação horizontal e aberta pode atrair mais consumidores, mas o que desejamos mesmo é manter consistência no que falamos. Não queremos criar algo novo em cada momento, mas sim continuar a conversa que iniciamos, evoluir. Sabemos que é um processo muito longo, mas estamos felizes com os resultados que conseguimos até agora.

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