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10º edição da feira Naturebas e um papo com Lis Cereja

Feira Naturebas. Fotos na matéria: Lucas Tinem

Feira Naturebas. Fotos na matéria: Lucas Tinem

Acontece em São Paulo a 10º feira Naturebas, um evento referência na América Latina que tem como especialidade vinhos naturais, orgânicos, biodinâmicos e ganhou ainda mais força com produtos fermentados de pequenos produtores e toda uma comunidade preocupada com a origem do alimento e seu consumo.

Conversamos com a realizadora e cofundadora do evento Lis Cereja, que contou sobre os últimos dez anos e a construção desta conversa ao redor das questões agrícolas e políticas que a feira enfrenta e da importância que o movimento traz, que vai muito além de apresentar apenas sabores e experiências gastronômicas, mas um desafio de refletir sobre consumo, política, economia e os novos tempos.

 

Farofa Magazine: Já são 10 anos de Feira Naturebas, quais foram os maiores desafios que vocês passaram?

LIS CEREJA: Em primeiro lugar a Feira é uma iniciativa privada, não tem patrocínio e nem incentivo. Não tem fins lucrativos e todo o dinheiro que arrecada reverte para o próprio evento.

A conta de tudo que vamos gastar dividimos pela quantidade de pessoas e fazemos o valor dos ingressos. Não tem taxa (%) de vendas, são vendas diretas entre os produtores (dos estandes) e o consumidor. Também não cobramos nada dos expositores. Então realmente não fica com absolutamente nada de dinheiro da feira. O que é bastante desafiador. Não é um problema de público, sempre inclusive tem muita gente que fica pra fora, os ingressos se esgotam muito rapidamente.

A gente sempre teve essas limitação de verba então nos primeiros anos, por exemplo, para não cobrar entradas absurdamente altas, imprevistos, pessoas que tem que ajudar, trazer produtores, etc, tive que colocar dinheiro do bolso. Hoje em dia já se paga, a estruturação financeira sempre foi um problema, mas uma questão a ser lidada.

Legalmente a gente tem inúmeros problemas. Este é o principal problema e motivo da Feira existir. Pouca gente sabe que a gente começou o projeto do Naturebas, para criar um espaço de comércio livre entre o produtor e consumidor, encurtar essas cadeias.

Mas também para fazer pressão legislativa em prol de mudanças de lei para os pequenos produtores de vinhos, principalmente artesanais. Dez anos depois a gente conseguiu, faz quatro anos que estamos em um trabalho árduo de mostrar, principalmente para o M.A.P.A. (Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento) que existe todo um mercado e tem muita gente que quer se regularizar e não consegue. Mais ou menos 80% produtores artesanais brasileiros estão ilegais.

Assumimos o risco até hoje, justamente por queríamos mostrar o quanto o mercado é grande, e tem muita gente querendo se regularizar e não consegue por conta dos entraves legislativos. A nossa lei é muito ultrapassada e não permite que os produtores artesanais sejam legalizados.

Tem que ser uma pequena indústria, se adequar à lei do vinho Colonial que infelizmente não deixa você vender para fora da propriedade, por exemplo.

Então estes são nossos principais desafios. Obviamente falar de vinho natural e produção limpa em um país que não tem um incentivo nem para a agricultura limpa, nem ao artesanal, nem ao pequeno produtor, etc, muito pelo contrário! É um país dominado pela indústria alimentar e principalmente a indústria do veneno, do agronegócio.

Lis Cereja, criada solta. Naturebas 2021. Foto: Katiuska Salles

F.M.: Quem é o público da Naturebas?

L.C.: O público da Naturebas é bastante variado. Tem todo o pessoal que são os entusiastas de vinho natural que construímos nesses 14 anos de Enoteca (Sain Vin) e a Feira. O público é muito grande.

Desde as pessoas preocupadas com sua saúde, pessoas preocupadas com a saúde do planeta, as que gostam de vinho, as que já começaram a beber já com o vinho natural, as que só bebiam Bordeaux´s 82 se cansaram da mesmice e foram pro vinho natural. Tem a galera que tá só pela moda, quem entende que é um movimento agrícola, os agrofloresteiros, o pessoal de produção de frutas orgânicas, o pessoal da produção agrícola artesanal, os que fazem preservação de sementes.

É um mundo de gente.

F.M.: Qual a história da nudez na divulgação do evento?

L.C: A história dos pelados até hoje causa comoção. Aí a gente vê que além de ser careta não sabem interpretar texto e muito menos interpretar foto. O vinho natural no mundo inteiro é conhecido como vinho nu sem máscara e sem maquiagem. Justamente por que é feito sem insumos enológicos. Mesma coisa que um produto natural que é feito sem aditivos alimentares, ou seja, sem nada de artificial, sem nada para modificar ou maquiar ele de alguma maneira. Por isso mesmo a gente sempre brincou com a questão do vinhos nus, sendo a nudez a transparência, sinceridade, o nada a esconder, sem modificações para atender aos padrões de moda e de beleza. Enfim, sem nada, nu, natural.

F.M.: O que é um vinho Natural?

É o vinho proveniente de agricultura orgânica ou biodinâmica, ou seja, agricultura limpa e depois vinificado sem adição de aditivos enológicos.

 

O assunto é longo e aqui tem o podcast da Lis para quem quer saber mais e se aprofundar:

Sequência de fotos da Feira Naturebas 2021. Fotos Lucas Tinem

F.M.: Quais os outros produtos que complementam o evento?

Não é um movimento só de vinhos, na verdade é um o movimento agrícola, um resgate de um modo de vida, modo de cultivar e produzir que está acabando. Portanto é todo esse mundo em torno da produção agrícola, sustentável, da sustentabilidade dos ciclos fechados de produção e consumo.

Este movimento vai desde a erva mate produzida por um Guaraní, até um pét-nat de fruta produzido na Mantiqueira, a vinhos naturais do RS, a fubá de milho criolho, tapioca flocada ou então cerveja artesanal (selvagem), estão dentro desses produtos, um mix de monte de coisas.

Todos os vinhos naturais, destilados também provenientes de ingredientes orgânicos, chocolates selvagens, milhos criolos, resgate de sementes, farinhas de trigos antigos, queijos artesanais, kombuchas, kefires e afins, charcutaria artesanal, tanto do mar quanto da terra, chás, cafés.

Tem um mundo de coisa nessa questão de alimentos e bebidas, de pequena agricultura, orgânico e enfim, pensar em um esquema poli cultura quantas coisas são se cultivam. É o que a gente quer mostrar, biodiversidade, policultura. que tem tudo a ver com o vinho natural.

Não é um movimento só sobre vinhos.

Não é um movimento só de vinhos, na verdade é um o movimento agrícola.

F.M.: Outros eventos relacionados a Feira irão acontecer?

FN: Sim, temos a Semana Naturebas. Mas nosso sonho é que daqui 100 anos ninguém lembre da Feira Naturebas, queremos que ela seja só mais um evento ligado a sustentabilidade.

Ainda é a primeira única feira no setor de vinhos de naturais e esses produtos. É a maior da América Latina. Muita gente vem para procurar importador e saí com 40% sai com um importador. É uma porta para América latina.

A gente tem sempre uma média de 50/80 eventos paralelos, sejam organizados por nós ou sejam eles feitos por outras pessoas. São cerca de 2.000 pessoas que participam, 100 produtores. É uma movimentação de mercado. Então quem tem bar de vinho natural, restaurante, acaba entrando e fazendo evento. Os produtores fazem palestras e workshops em outros locais. É uma grande festa.

F.M.: O evento acontece na Ocupação 9 de julho, por que a escolha deste local?

É o segundo ano que fazemos o evento da Ocupação 9 de julho, de baixo de muito protesto. Ainda mais no atual governo. Por que decidimos? Pra lembrar que não é só moda, só beber um pét-nat em um barzinho descolado. Vinho é parte do movimento agrícola.

Não se pode falar em um movimento agrícola sem lembrar o que acontece quando você desestrutura uma estrutura social e agrícola de um país.

Com o avanço das fronteiras do agronegócio, o que a gente teve foi um Êxodo rural. Perda da valorização do trabalho rural. O homem do campo que vai para cidade, sem valorização do seu conhecimento ancestral. Ele acaba inflando as cidades, caindo na marginalidade, em situação de moradia rua.

Obviamente que fazer um evento ligado a vinho natural e agricultura limpa, sustentável, dentro de uma ocupação urbana, tem esse sentido. Lembrar as pessoas de que o que você come e bebe a maneira que você age no mundo, o cara que tá pedindo dinheiro no farol e sua taça de vinho laranja natural tem muito mais a ver do o que você pensa.

Feira Naturebas 2021 fotos Lucas Tinem

Deixar muito claro que eu (Lis) sou apartidária, eu não sou militante de nenhum partido. Se fosse escolher uma arma seria uma bomba de semente. Misturamos o que é política e o que é partido. O que é uma verdadeira preocupação com justiça e preocupação com a terra, com outras bobagens.

A gente faz política a todo o momento, a gente faz política com todas as decisões que tomamos na vida e comer talvez seja uma das decisões mais políticas que a gente faça. Mesmo que você não se dê conta disso.

Escolher o que você tá comendo pode dar poder à indústria alimentar ou a um pequeno agricultor que faz resgate de sementes locais. A gente que tem essa decisão na mão e a gente que dá poder para as instituições, indústria e sistema.

Enquanto a gente não entender que está em nossas mãos fazer esse tipo de escolhas a gente vai continuar achando que comer não é uma decisão política e é sim.

Plantar seu alface pode ser o gesto mais anarquista de todos os tempos.

 

Serviço:

Dias:  18 e 19/06

Horários: Profissional da área – das 11h às 13h | Público geral – das 13h às 18h

Compre aqui seu ingresso

Local:  Ocupação 9 de julho

 https://www.feiranaturebas.com.br/

 

Saiba mais sobre os assunto de vinhos naturais:

Você já ouviu falar de pét-nat? – Elle Brasil

Borbulha Ancestral — Gama Revista

15 melhores vinhos naturais para tomar no verão, segundo especialistas

Saiba mais sobre as questões políticas do vinho:

Projeto regulamenta produção de vinho colonial  Fonte: Agência Câmara de Notícias

PL 2693/2011 – Projeto de Lei

Comissão discute regulamentação do vinho artesanal – Notícias – Portal da Câmara dos Deputados

Lis Cereja colocou os vinhos naturais na pauta

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