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O padeiro jornalista e muitas receitas do pão

Capa Direto ao pão, livro de Luiz Américo Camargo. Imagem: Divulgação

Posso dizer tranquilamente que meu prato preferido é pão! Pão com manteiga na chapa pode fazer parte da minha rotina e até em mais de uma refeição. A real, é que esse produto tão versátil tem um papel fundamental na vida dos seres humanos e é um alimento que já foi de sagrado a sustento, simples e requintado e está sempre na mesa ou na mão dos seres humanos.

O jornalista Luiz Américo me parece aquele tipo de pessoa que se apaixona por algo e vai tão em busca de respostas, que acaba misturando o apreço com a profissão. Depois de algum tempo escrevendo sobre o assunto “pão”, se tornou um especialista e vai além dos textos, ajudar outros gourmands apaixonados pelo tema, não só em sua história, mas em técnicas apuradas e detalhistas que mostram que o resultado em casa pode ser melhor do que o imaginado. O pão aqui é um veículo de cultura onde o escritor se debruça sobre o tema e seus desdobramentos depois de mais de duas décadas olhando a gastronomia de frente.

A Farofa foi muito feliz em conseguir bater um papo por e-mail com o Luiz, pouco antes do livro estar nas livrarias. Acompanho o autor já faz algum tempo e meu primeiro levain nasceu da receito do livro “Pão Nosso”, o famoso livro de capa amarela e cheia de farinha que ficava na bancada da cozinha com cheiro inebriante vindo do forno. Tem muita história para contar, mas nos seguramos em apenas algumas perguntas para você conhecer um pouco mais dessa fermentada jornada.

Farofa Magazine 1. Luiz, começou como jornalista, mas está na fase padeiro, professor, escritor. Você se considera um xereta da cozinha? Foi por conta da curiosidade além da superfície que o assunto virou paixão?

Luiz Américo: Eu gosto de comer, gosto de aprender sobre comida, gosto de entender como ela é feita, saber sobre quem a faz. Gosto de cozinhar em casa e de fazer pão. São coisas que surgiram antes de eu saber que, eu dia, seria jornalista gastronômico, editor, crítico de restaurantes. O pão foi uma paixão que descobri numa via paralela à dos restaurantes. Fiz e faço muito em casa, errei demais, comecei numa época pré-Google, pré-redes sociais, e com muito menos livros e referências do que hoje. Fui aprendendo algumas coisas – sobre o pão caseiro, ele é o meu tema – e, de uns anos para cá, comecei a dividir esse prazer com o público, passando dicas, técnicas, enfim, tudo o que eu descobria. O aprendizado com o pão é infinito, coisas novas se revelam diariamente. E eu sigo compartilhando receitas, ideias, possibilidades. Meu trabalho, atualmente, então, segue em duas vertentes principais, e não mais como jornalista. Como comunicador do pão – é assim que eu me defino -, com livros, com eventos, com aulas/palestras, onde eu puder me expressar. E com o universo dos restaurantes, com eventos, com curadorias, consultorias, criando novas alternativas para conectar o público com experiências ligadas à comida e a bebida. Sou um curioso mas, acima de tudo, um apreciador.

Luiz Américo também dá dicas no You Tube, acessa AQUI

2. O que o consumidor ganha ao aumentar seu repertório de sabores, texturas e culturas?

L.A.: Acho que amplia suas possibilidades de comer bem, de se divertir com a comida, de viver experiências que impactem não só pelo ponto de vista gustativo, do prazer, mas da própria cultura. Ter mais repertório melhora nosso entendimento, nossa capacidade de fruição, e aguça nosso espírito crítico. Aprendemos a exigir e, penso, melhoramos o mercado. Obviamente que isso (o ganho de alguém que aumenta se repertório) não é uma verdade absoluta: é uma ideia que se aplica especialmente a quem tem um interesse mínimo pela gastronomia. Mas penso que todo mundo, para se alimentar melhor, gastar menos, se entreter, deveria aprender a conhecer o básico de cozinha – e incluo o pão nesse contexto, sem dúvida.

3. O texto esnobe afugenta a clientela?

L.A.: O texto esnobe atrai quem é esnobe. E afasta quem está em busca da essência das coisas. Mas o texto a que você se refere é apenas a forma? Pois temos uma questão de conteúdo que é muito importante. Se você fala de restaurantes, pão, vinhos, cervejas e outros assuntos mais mostrando aquilo como se fosse algo apenas para iniciados, um segredo, um código destinado a um pequeno grupo, vai afastar esses prazeres de um público maior. Costumo dizer que não precisamos fugir das complexidades, mas não devemos apostar nas complicações. O frescor é importante, a frescura não. Toda vez que você optar por se comunicar usando linguagem hermética, empolada, e, pior de tudo,pedante, torna-se incompreensível para a maioria. E corre enorme risco de não levar sua mensagem adiante.

“Eu só queria jantar” é o livro do autor onde tem uma coletânea dos seus diversos textos. Foto: Divulgação

4. Como é olhar o mercado depois de tanto tempo falando sobre ele?

L.A.: Eu sempre olhei para o mercado, mas vou ajustando o foco, o discurso. Como crítico, eu dialogava com os leitores, trabalhava para eles, era o ponto de vista deles que eu considerava. Como consultor, mudo a direção da câmera e olho para o empreendedor, meu diálogo agora é com ele. Como realizador de eventos, como curador, uso meu conhecimento do mercado para fazer as melhores escolhas e proporcionar as melhores experiências para o público, assim como para quem participa, para quem realiza. Como autor de livros sobre pão, tento mostrar aos leitores como fazer boas fornadas em suas casas, perdendo o medo de errar (o erro faz parte do processo), abrindo-se para um novo repertório. Outro ponto importante, nessa “virada de câmera”, é ter mais distanciamento do meu próprio trabalho como crítico, como jornalista. Pude refletir muito, pude observar por outros ângulos.

Luiz Américo, experiente padeiro. Foto: Divulgação

5. A vida da pessoa pode mudar quando ela começa a sovar sua própria comida?

L.A.: Acredito muito nisso. É um passatempo para toda a vida, é algo que nos dá um lugar, que muda nossa relação com o tempo, com a criação. Que nos ensina paciência observação, perserverança. Que nos conecta com o que há de mais essencial e nos mostra que, num mundo virtual, digital, de serviços terceirizados, de busca de assepsia, é possível sujar as mãos e produzir nosso próprio pão, num processo quase mágico. Sem falar que dá para comer melhor, escolher seus próprios insumos, fugir de produtos de baixa qualidade, que são caros e pouco interessantes gustativamente, nutricionalmente. Cozinhar/fazer pão é algo transformador, seja pelo prisma da gastronomia, da cultura artesanal ou até pelo aspecto existencial.

“Pão Nosso” se tornou o livro de cabeceira dos amantes do pão em 2013, quando foi lançado.

6. Os aspectos digestivos do pão são diferentes quando se fala em fermentação natural?

L.A.: Vou responder por camadas. Um pão feito na sua fórmula mais elementar, só farinha, fermento, água e sal, será sempre melhor do que um produto industrial, cheio de conservantes artificiais, melhoradores, com excesso de açúcar e gorduras. Um pão caseiro simples, portanto, já é uma excelente conquista para a sua vida – que seja pelo processo biológico, e dentro de um tempo adequado, que caiba na sua vida.

Um pão de longa fermentação (mesmo biológica), de longa maturação, será ainda mais leve e saboroso, pela atividade enzimática desenvolvida, pelo tempo adequado de levedação.

A fermentação natural (desde que bem feita; porque há pães mal feitos no mercado…) vai trazer não apenas um aspecto de leveza, mas também de maior complexidade aromática e gustativa, gerada pelos fungos e bactérias contidas no fermento natural. E vai proporcionar toda uma pré-digestão do trigo, tornando o pão um alimento muito gostoso, rico e palatável. Cai bem, tem índice glicêmico menor, dura bastante.

7. Qual o sentimento de ter esse segundo livro sendo lançado.

L.A.: De grande felicidade, de enorme satisfação de sentir que posso ajudar mais gente a fazer suas fornadas em casa. E de perceber que ainda temos muito caminho pela frente nessa proposta de levar o pão ao cotidiano das pessoas. Fico muito satisfeito em poder atender um outro público, que tem curiosidade pelo pão, mas ainda não conseguiu se aventurar nem pelas preparações mais simples, com fermento biológico. Em aulas,  em eventos, em participações na TV, ouvia com frequência os mesmos pedidos: “ainda não consegui fazer o fermento natural, e nunca fiz pão; queria aprender a fazer o pão sírio – e pão de hambúrguer, e pão francês…”. Por aí seguia. Penso que o Direto ao Pão, que contém receitas que faço em casa, novas pesquisas pessoais, e muitas sugestões de acompanhamentos para o pão, vai ajudar essas pessoas a realizarem um velho sonho, de produzir seu pão caseiro, de fazer na sua cozinha não só pães de diversos estilos, mas também pizza, focaccia, esfihas muitos outros parentes do pão.

8. É uma continuação do “Pão Nosso”?

L.A.: Não, é um livro bem diferente, que aborda um lado da panificação caseira que não explorei no Pão Nosso. São receitas com fermento biológico, para quem ainda não conseguiu se embrenhar pela fermentação natural. É um livro que considera algo muito importante na vida de todo mundo: o tempo. Ele, ou melhor, sua falta, é a grande desculpa (e não cabe aqui um julgamento) das pessoas para não fazer o pão caseiro. Então, pensei num livro com receitas muito diversas, com diferentes tempos de preparo, para que você possa optar pelo pão mais adequado ao momento, e conforme a sua disponibilidade. Tem 1 hora? Tudo bem, faça um pão de queijo. Tem duas horas? Faça o meu “pão nosso” (homônimo de meu primeiro livro), que é sem sova, bem hidratado, e rende um pão leve e gostoso. Tem mais tempo? Arrisque-se por uma pizza (a receita ao estilo napoletano, inclusive), um chocotone. Quer fazer sanduíches? Tem desde bao, o pão no vapor, até pão de cachorro-quente – e tudo com receitas de acompanhamentos. Mostro ainda como se organizar com o tempo, pois sem planejamento fica difícil. Dou exemplos, descrevo as etapas, e até proponho jeitos (especialmente sugestões culturais, filmes, músicas, livros) de matar o tempo durante as esperas e intervalos. Pensando muito em quem quer começar a fazer pão, mas nunca conseguiu, o livro atua em três frentes: uma parte inicial, com dicas teóricas sobre técnicas, ingredientes, acessórios, pormenorizando todas as fases de produção; uma parte muito forte sobre organização de tempo, com exemplos de montagem de agenda, com truques como o uso da geladeira; e uma seleção de receitas variadíssimas, inclusive indexadas pelo tempo de preparo. Eu quero que o pão faça para da vida das pessoas, e que este livro seja uma porta de entrada para voos mais altos no futuro. Além do mais, assim como no Pão Nosso, o livro novo contém crônicas, que falam muito sobre a paixão de panificar e, em particular, da nossa ansiedade contemporânea, tão atrelada à vida digital (antes de aprender a fazer um pão gostoso, parece que as pessoas estão mais preocupadas em publicar a foto no Instagram, como se fosse possível queimar etapas). Urgência digital pode ser incompatível com o pão, que tem seu tempo, seus prazos. As redes são boas para trocar, para aprender. Mas precisamos ter cuidado para que elas não produzam justamente o contrário, uma angústia pelo excesso de informações, uma valorização de um certo exibicionismo. E eu acho que um belo antídoto contra isso é modelar uma massa, vê-la crescer, assá-la, servi-la para os amigos e para a família – a receita que for, a que couber na sua vida, naquela hora. Pão caseiro bem feito será sempre melhor do que um pão industrial fofinho, que nunca mofa, cheio de produtos de nomes esquisitos.

Foto: Artur Rutkowski @alienowicz via unsplash

9. Como funciona sua parceria com a Rita Lobo?

L.A.: A Rita é uma amiga de longa data. Trabalhei por muito anos com o Ilan Kow, um grande amigo, marido dela e diretor do Panelinha, fundamos muitas coisas no Estadão – o Paladar, inclusive. Em 2012, quando eu estruturei a primeira ideia do Pão Nosso, a Rita estava começando a editora Panelinha, e foi um feliz acaso. O livro já saiu por lá (foi o primeiro lançamento feito 100% pela editora), e com visões editoriais incríveis por parte dela. Eu tinha um projeto de um livro que ensinava a fazer fermento natural e receitas de pão. Ela viu além: que ele poderia conter receitas de acompanhamentos, de reaproveitamento de pão, que poderia ser um livro sobre o artesanal, sobre produzir refeições inteiras em torno do pão. Sem falar no método Panelinha, de testar tudo, de buscar uma didática muito clara. Neste segundo livro, eu já trazia a ideia de me dirigir a um público mais iniciante, que talvez nunca tivesse sovado uma massa. Tinha já uma seleção de receitas com fermento biológico, um painel amplo de ia de baguete a pão sueco, de sem glúten a ciabatta. A Rita e a equipe do Panelinha enriqueceram o Direto ao Pão com mais receitas de acompanhamentos e, claro, com um rigor nas medidas, nos testes, que deixa qualquer autor muito seguro. Fiz as receitas ao longo do tempo, aperfeiçoei, ajustei, o Panelinha retestou, aprimorou, fizemos um trabalho acurado de edição, de redação. O leitor vai receber um livro pensado, testado, muito bonito graficamente, e que transmite, espero que os leitores concordem, a alegria de fazer pão.

(atualização: Entrevista no Youtube da Rita e do Luiz: https://youtu.be/04tsj3QqomU 

“Direto ao Pão” Capítulo 2. Imagem:Divulgação

Sinopse:

Que pão você quer para o seu café da manhã? Pão francês? Baguete? Um pão rústico, bem cascudo, ou um pãozinho de leite ultramacio? Todas essas receitas estão neste novo livro de Luiz Américo Camargo, com produção de Rita Lobo e sua equipe. E ainda tem broa portuguesa, pão sírio, pão de hambúrguer e de cachorro-quente, focaccia, ciabatta, chocotone… São cerca de 30 tipos diferentes de pão (quase todos com fermento biológico), além de sugestões de recheios, acompanhamentos e reaproveitamentos, num total de 40 receitas.

‘Direto ao Pão’ é um guia completo para quem quer se iniciar na panificação caseira. Da escolha dos ingredientes ao resfriamento pós-forno, você vai aprender em detalhes todas as etapas para assar o filão perfeito. Luiz Américo Camargo, autor de sucesso com Pão Nosso (também publicado pela parceria Panelinha-Senac), ensina estratégias para controlar o tempo e não ficar preso na hora do preparo. Com planejamento, você dribla a correria e encaixa o pão — e aquele perfume que sai do forno! — na sua rotina. E para você ler entre uma sova e outra, o livro ainda traz as crônicas do padeiro, numa prosa deliciosa como as fornadas

Para finalizar, deixo AQUI, um link de outra entrevistam muito boa que ele deu para o El País, jornou que também trabalhou.

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