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Quatro anos de pirataria cervejeira em Ribeirão Preto

João Becker, sério, mal humorado e bom cervejeiro. Fotos: Bia Amorim

João Becker, sério, mal humorado e bom cervejeiro. Fotos: Bia Amorim

“Era 1723. Uma terrível tempestade havia quebrado a roda do leme logo após o navio sair de Tortuga, deixando a tripulação à deriva por meses…..” assim começou a estória da história cervejeira.

Faz 4 anos que ancorou em Ribeirão Preto o brewpub da Weird Barrel Brewing Co. Foi em abril de 2015 que o bar mais pirata do Brasil inaugurou e abriu as chopeiras por aqui. O projeto foi muito esperado, pois Rafael Moschetta e João Becker já estavam conhecidos por agitar o mercado cervejeiro com as festas do IPA Day Brasil e Pint with the Queen. Mais dois sócios também estão à frente na gestão do bar.

Inaugurado com 10 torneiras e receitas exclusivas para serem servidas na casa, nada de garrafas, nada de pasteurização e nada de cerveja lagers. Para os degustadorxs que são de uma bicadinha em cada, a Walk the Plank é uma opção com 4 tipos de cervejas e o público pode provar do Rum da casa, já que nem só de fermentados vivem os marujx. Com cardápio curto e caprichado, sanduíches, petiscos e beliscos podem amenizar a fome.

Recentemente, levar cerveja para beber em casa se tornou possível, quando os piratas começaram a vender as cervejas em embalagens pets descartáveis. Mas para provar das cervejas dos marujos é preciso vir a Ribeirão. É quase impossível encontra-los em eventos e outras casas por aí. As cervejas mais conhecidas são Bad Luck (Fruit Beer), Pirate´s Flip (session IPA), Midnight Pap (Oatmeal Stout), Royal Navy (ESB) e Naught Grog (Black Ipa) .

Rafael Moschetta, o pirata.

O bar é um dos mais animados da cidade e tem uma agenda completa de eventos, convidados especiais, jogos e bandas, trazendo uma rotina divertida para a cultura cervejeira da cidade e mostrando que é preciso servir mais do que apenas cerveja.

Para falar sobre esses quatro anos de embarcação, conversamos com João Becker, o mestre-cervejeiro do navio.

1. Você deixou Belo Horizonte para fazer cerveja em Ribeirão Preto, como foi essa mudança para você? Em que ano foi isso?

JB: Era o começo de 2011. Eu morava em Belo Horizonte, trabalhava como gerente de um bar de cervejas artesanais e tinha recém-saído da faculdade. Já era homebrewer desde 2006 e estava tentando achar um lugar, dentro do mercado cervejeiro, onde eu pudesse me encaixar e seguir profissionalmente. Como minha paixão era maior por produzir cerveja, saí do emprego de gerente de bar e comecei a espalhar a notícia de que eu estava procurando uma vaga de cervejeiro. Não demorou muito e recebi algumas propostas em Belo Horizonte mesmo, e até de uma cervejaria fora do Brasil. Mas antes que eu pudesse me decidir entre as três opções recebi uma mensagem do Marcelo Carneiro, na época proprietário da Colorado. Conversamos num dia, no outro eu estava em Ribeirão Preto conhecendo a fábrica e acertando os detalhes. A partir dali virei um dos cervejeiros da Colorado, me mudando pra Ribeirão Preto “de mala e cuia”.

2. Você e o Rafael Moschetta se juntaram para fazer eventos e só depois veio a ideia do bar?

JB:Eu já tinha feito alguns eventos de St. Patrick’s Day em Belo Horizonte (2007 a 2010) e sentia que o público cervejeiro tinha carência em festivais e eventos temáticos. No começo de 2012 eu já estava há quase um ano na Colorado quando o Rafa assumiu a gerência de marketing. Então começamos a conversar e naquele mesmo ano fizemos o primeiro St. Patrick’s Day em Ribeirão Preto. Tivemos total apoio do Marcelo Carneiro para fazer a festa no seu bar, o Cervejarium, e colocar as cervejas da Colorado. A festa foi um sucesso, nos divertimos muito e plantamos a sementinha dos eventos ali. Em agosto do mesmo ano fizemos, mais uma vez com o apoio do Marcelo e da Colorado, o primeiro IPA Day. Agora já tínhamos (eu, o Rafa e mais um sócio) criado uma empresa própria para realizar os eventos, a Academia de Ideias Cervejeiras.

Algum tempo depois tivemos a ideia de ter uma cervejaria própria, não especificamente um bar. Eu já havia me desligado da Colorado e continuava organizando os eventos com o Rafa pela Academia, agora com somente nós dois como sócios. Conversávamos muito e tínhamos visões de mercado e de produto muito parecidas, e assim resolvemos que iríamos partir pra essa empreitada. Algum tempo depois encontramos mais algumas pessoas que compartilhavam as ideias e os sonhos e assim nasceu a Weird Barrel.

3. Você participou ativamente, não só nas receitas, mas também na montagem do bar. Como foi isso?

JB:O projeto da Weird Barrel foi feito em várias etapas. No começo nos encontrávamos para imaginar o negócio, que acabou por ser o de um brewpub. Em seguida começaram as frentes de pesquisa: mercado, marca, etc. Depois estruturação do Plano de Negócios e, com quase tudo na mão, alugamos um imóvel. Como cervejeiro realmente tive a maior contribuição nas ideias e receitas das cervejas, mas tem um fato curioso também na montagem do bar. Meu pai é madeireiro e resolvi chamá-lo para me ajudar com algumas coisas. Ele mora na Bahia e nos visitou no comecinho, na primeira semana da obra. Foi embora com os projetos de mesas, balcões, deck e algumas outras coisas que envolviam madeira. Três meses depois parou com um caminhão na frente do imóvel e ficou por quase 100 dias acampado aqui, construindo junto com a gente cada pedacinho do nosso navio pirata.

Bar feito à mão.

Hoje, praticamente tudo que se vê de madeira aqui dentro, foi construído pelo meu pai e seu ajudante fiel, o saudoso Zé Miranda. Um carpinteiro na época com 75 anos de idade que veio junto da Bahia e se dedicou dia e noite na construção do nosso sonho. Entrar hoje na Weird Barrel pra mim é mais do que entrar no meu bar ou na minha cervejaria. É entrar num lugar que me traz muita memória afetiva dos dias trabalhados ao lado do meu pai e conviver com as coisas que ele construiu aqui dentro e que são únicas.

Marcenaria caprichosa direto da Bahia no caminhão do pai do João. Zé Miranda, um capricho de pessoa e ajudante fiel. Imagem: Arquivo Pessoal.

4. Porque a escolha inicial de não fazer cervejas lagers?

JB:No começo escolhemos trabalhar essa temática de pirataria. E como o pirata é um rebelde, está sempre na contramão do que é considerado normal, decidimos que nosso foco seriam cervejas do tipo Ale, que tem um leque muito maior de variedade de estilos. Adoramos lagers, existem excelentes cervejas lagers, mas acho que até pela questão da pirataria inglesa, da história das IPAs nos navios, tendemos pra esse lado. As coisas incomuns que fazemos sempre por aqui combinam mais com esse tipo de levedura, e assim seguimos. Mas já tivemos uma lager feita por aqui. Nossa cerveja de inverno, a Young Pirator, é uma Doppelbock. Esse ano acho que ela volta pras torneiras numa edição sazonal.

Tem chope Pilsen?

5. Porque vender somente para quem está em Ribeirão e não engarrafar? A cerveja fica melhor?

JB:Nosso Plano de Negócio foi montado em cima da ideia de um brewpub. Então, dentro desse conceito, nos valemos da questão de sempre estar servindo a cerveja mais fresca possível e tendo um contato direto com o consumidor final. Como desde o início nosso volume de produção conseguia atender apenas o consumo do bar, nunca tivemos a oportunidade — e nem o espaço — pra engarrafarmos. Sobre a cerveja ficar melhor, vale a máxima cervejeira de que “a melhor cerveja é aquela que tomamos enxergando a chaminé da cervejaria”.

6. Nesses 4 anos de projeto, qual sua cerveja favorita?

JB:Em quatro anos à frente das panelas da Weird Barrel já coloquei nos tanques e torneiras por volta de 40 cervejas diferentes. É muito difícil escolher apenas uma cerveja favorita dentre todas elas. Especialmente pra mim, que sou o criador e tenho um carinho enorme por todas. Mas nesses quatro anos o que mais consumi aqui foi a nossa IPA, a Fancy Burp. Posso dizer então, só por esse critério, que ela está um pouco na frente das outras. Mas tem cervejas que apareceram apenas uma vez, como a colaborativa com os amigos canadenses da Beau’s, uma Gruit chamada Hopeless Storm, que tem um lugar cativo por combinar não só o sabor da cerveja, mas toda uma experiência muito bacana, desde a concepção, a produção, as pessoas envolvidas e, finalmente, a apreciação dela no copo. Não consigo realmente apontar uma só.

Olha para o passado, vê o futuro.

7. A Weird Barrel, fez muitas colaborativas, cervejas em conjunto com outros profissionais e fábricas. Quais foram elas?

JB:Fizemos aqui, como disse anteriormente, uma colaborativa com os canadenses da Beau’s. Foi uma colaboração em duas frentes, na verdade. Fomos para o Canadá e fizemos uma colaborativa lá, chamada Ninho do Corvo, uma Porter que levava cacau e coco orgânicos brasileiros. Replicamos a receita aqui no Brasil com o nome de Crow’s Nest depois que voltamos de lá. Depois os canadenses vieram e fizemos a Hopeless Storm, uma gruit que foi acidificada como uma Berliner Weiss e levava abacaxi, hortelã e manjericão.

Além dela fizemos a Captain’s Blood (outra Berliner Weiss, agora com framboesa, cacau e baunilha) e a Weird Dogma (West Coast IPA) com a Dogma, a One-eyed Cow (New England IPA) com a Seasons, a Scurvy Dog (Belgian Tripel) com a Landel, a Mano de Dios (IPA Argentina) com a SP-330 e a Cervejaria Nacional, e uma Belgian IPA numa colaboração inusitada com a Invicta e a turma da 3ª Jornada Cervejeira de 2015, que servimos no IPA Day daquele ano.

8. Ano passado, cada cliente que ficou na lista VIP da casa ganhou uma receita, como foi esse processo?

JB: Desde o primeiro aniversário da Weird Barrel resolvemos classificar e premiar os 15 clientes que mais frequentaram nossa amada espelunca. Assim surgiram os VIPirates, os 15 marujos mais assíduos desse navio pirata. Ano após ano incrementamos o programa com novidades e, ano passado, resolvemos produzir 10 cervejas novas para os 10 primeiros lugares. Apesar de serem receitas surpresa, pegamos a característica de consumo e preferência de cada um e tentamos desenvolver um novo produto. Não foi fácil criar coisas novas, ainda mais com o tanto de cerveja que já havíamos produzido na casa. Mas foi uma experiência totalmente gratificante e desafiadora para mim, como cervejeiro, e também sei que foi um desafio para o marketing conseguir contar uma história por trás de cada cerveja. No final todos os 10 se sentiram muito prestigiados e adoraram cada uma das cervejas. E esse ano tem mais! Três novos VIParates entraram no ranking dos 10 mais e, cada um deles ganhará uma nova receita. As outras sete repetiremos, algumas com novidades em cima da base do ano passado.

VIPirates, cada um com sua foto pirata e um estilo de cerveja próprio. Imagem: Divulgação.

9. O que esperar daqui pra frente?

JB: Novos desafios batem à nossa porta. Alguns dentro do próprio brewpub e outros fora, em outras frentes que a Weird Barrel está estudando e trabalhando em cima. A chave hoje é pensar e fazer diferente. O que já dá pra saber é que vem muita cerveja boa por aí, feita com muito amor por tudo que envolve nosso mercado. Somos cervejeiros, piratas apaixonados pelo que fazemos, navegadores incansáveis desse mar de cerveja, em busca de cada dia entregar produtos e experiências melhores para nossos consumidores.

Rodrigo, um dos sócios gestores da espelunca.

SERVIÇO

Weird Barrel Brewing Co.

Rua Altino Arantes,1854, Ribeirão Preto, SP

(16) 3101-5285

capitao@weirdbarrel.com

www.facebook.com/WeirdBarrel

Horário de Funcionamento

Terça, quarta e domingo das 18h as 1h

Quinta a Sábado das 18h as 2h

Ficha das cervejas da casa

Bad LUCK

Fruit Beer com morangos,

amoras, framboesas e pitangas.

ABV: 4,2% • IBU: 10

Pirate´s FLIP

Session IPA com gengibre.

ABV: 3,8% • IBU: 45

Kapitän KLAUS

Abbey Weiss

ABV: 5,2% • IBU: 22

Hard TACK

Summer Ale com dry hopping de Citra.

ABV: 4,8% • IBU: 27

Royal NAVY

Extra Special Bitter (ESB).

ABV: 5,4% • IBU: 40

Midnight PAP

Oatmeal Stout com aveia.

ABV: 5,2% • IBU: 30

Fancy BURP

India Pale Ale, a cada lote um novo dry hopping.

ABV: 6,5% • IBU: 55

Naughty GROG

Black IPA envelhecida

em barris de rum.

ABV: 7,8% • IBU: 45

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