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TransGarçonne capacita e insere pessoas trans no mercado da gastronomia

Desde 2019, 26 pessoas trans conquistaram empregos formais em bares e restaurantes depois da formação no TransGarçonne, programa de extensão do curso de gastronomia da UFRJ. Curso ganha investimentos e será ampliado.

 

Quem vê a hostess Rochelly Rangel indo de um lado para o outro do bistrô Bottega Gastrobar, no Rio de Janeiro, com pisada confiante e sempre com um sorriso acolhedor, não imagina o caminho que a levou até ali. Rochelly é uma das primeiras alunas formadas pelo TransGarçonne, um curso de capacitação que nasceu em 2019 como programa de extensão da faculdade de Gastronomia, da UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro e que está em sua segunda turma. 

Rochelly conquistou o cargo de hostess, no Bottega | Foto: divulgação

A história de Rochelly era, até então, parecida com a de muitas outras vividas por mulheres trans, com dificuldade de encontrar trabalho fixo e falta de perspectivas profissionais. Ela, que chegou a trabalhar com prostituição e nunca havia tido emprego com carteira assinada até os 33 anos, diz que o curso transformou a sua vida. 

Depois de sua formatura, começou como garçonete e conquistou o cargo de hostess no Bottega. Além disso, Rochelly se tornou embaixadora do projeto TransGarçonne, atua hoje também como consultora pedagógica da faculdade Descomplica, é modelo, palestrante, faz graduação em RH e estuda inglês.  

 

 

“Através desse título de embaixadora, posso ter contato com pessoas e estar em lugares em que nunca imaginei estar. Isso tem um impacto muito grande porque outras pessoas se inspiram em mim. Tento levar voz aos que estão em situação de vulnerabilidade”, diz. 

Rochelly afirma que recebe mensagens de pessoas trans de todo o Brasil pedindo ajuda, porque não têm o que comer, e que, ainda, é questionada sobre o porquê de priorizar esses indivíduos na seleção de empregos. “Precisamos priorizar essas pessoas porque elas foram esquecidas durante muito tempo pela sociedade. Sim, elas precisam ser ouvidas e através da minha voz quero que elas entendam que podem estar onde elas quiserem”. 

Parcerias são fundamentais para o TransGarçonne 

Na primeira turma, o TransGarçonne capacitou 17 pessoas, selecionadas entre mais de 230 inscrições. Depois disso, os cursos foram ampliados com aulas de gestão de negócios, bartender, vendas, administração, cervejas, vinhos, comportamento humano e outras. O programa, este ano, recebeu financiamento da Pernod-Ricard, dona das marcas Ballantines, Absolut e Chivas, que também oferece uma bolsa-auxílio aos alunos. 

Breno de Paula Andrade Cruz, professor do curso de gastronomia da UFRJ e coordenador do TransGarçonne, juntamente com o professor Renato Monteiro, diz que 25 profissionais formados já foram contratados. Nos últimos meses, houve aumento nas contratações graças à retomada do pós-pandemia.

Breno Cruz e Rochelly Rangel com Kátia Barbosa, durante evento do Sebrae | Foto: divulgação

 

“Mais do que dar emprego, damos visibilidade, trazendo essas pessoas para frente, para que elas possam atender, serem vistas”, diz. “Por meio de um curso de gastronomia em uma universidade reconhecida como a UFRJ, queremos trazer luz sobre a importância de contratar pessoas trans e fazer com que elas não fiquem escondidas na cozinha, como é historicamente esperado, que tenham acesso à dignidade do trabalho formal”, diz o coordenador. 

 

Renato Monteiro (de branco), professor do curso de Gastronomia da UFRJ e um dos coordenadores do TransGarçonne, com estudantes. Projeto ganhou financiamento da Pernod-Ricard e apoio do Ministério Público do Rio de Janeiro | Foto: @pretogourmet

Além da Pernod-Ricard, o Ministério Público do Rio de Janeiro também se tornou parceiro do TransGarçonne e prevê a criação de um laboratório de hospitalidade no curso. 

Um recado para a Rochelly do passado

“O que você diria para a Rochelly de cinco anos atrás?” Essa foi a pergunta que fiz para a hostess que, de pronto, responde que, se  não fossem essas oportunidades, talvez nem estaria aqui para responder. “Eu diria que ela é uma sobrevivente, uma guerreira que hoje brilha muito e tem muito orgulho da mulher que se tornou”. 

E segue com o sorriso largo pelo salão, recebendo os primeiros clientes do Bottega no início de mais uma noite de muito trabalho. 

De acordo com pesquisa da ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transsexuais), a estimativa média de vida de pessoas trans no Brasil é de apenas 35 anos. 

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