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Chega de alface!

Geralmente desprezada, a rama da cenoura pode ser usada em diferentes preparos ou, simplesmente, como complemento ao cheiro-verde | Foto: Gabriel Castaldini 

E cá estou eu de novo para falarmos um pouco mais desses matos incríveis que, por conta de nossa chatice para comer e falta de libido gastronômica, a gente simplesmente ignora. Mas antes de seguirmos, se você é novo por aqui e ainda não leu o artigo anterior sobre o assunto, clique aqui (link do artigo anterior), leia tudo bonitinho, curta, comente, compartilha e me marque, e depois volte aqui. Beleza? Então vamos lá…

Lembra quando eu disse que PANC também pode se referir a uma Parte Alimentícia Não Convencional de uma Planta Convencional? Pois bem… É sobre isso que vamos discutir hoje.

Para começo de conversa, a gente precisa ter em mente que a maioria esmagadora das PANC não é cultivada. Elas são subespontâneas, o que quer dizer que elas dão o ar de sua graça de maneira espontânea, sem que sejam plantadas. Atrevidas e independentes que são, elas, geralmente, fincam suas raízes em áreas antropizadas, que são aquelas áreas cujas características originais foram alteradas pelo bicho homem. Um campo que foi transformado em uma plantação de laranja, por exemplo, é um espaço que passou pelo processo de antropização. Sacou? E experimente só saracotear por esses locais para você ver uma coisa, é PANC que não acaba mais! Por isso os agricultores as acham chatas pra caramba, chamando-as, então, de pragas.

Em comparação com uma planta de consumo convencional, as PANC são bem menos dependentes da gente para se manterem firmes e fortes, mesmo as poucas espécies que são cultivadas. Tal qual um X-men do mundo vegetal, isso ocorre porque elas possuem uma variabilidade genética muiiito maior que as demais, o que fazem delas mais adaptáveis às variações do solo e do clima. Elas são tão bad-ass, tão fodonas, que o cultivo doméstico delas, em vasos ou em canteiros, deve ser papum, direto, sem trabalhar a terra nem nada, desde que com um manejo adequado de matéria orgânica. São elas por elas!

Ainda assim, e com a nossa vasta e rica biodiversidade, a gente parece um bando de bioparanóicos, que come sem receio algum a biodiversidade alheia e dá de ombros para o que é genuinamente de nossa terra. A matriz agrícola do Brasil está escorada na exploração comercial de algumas poucas espécies exóticas que foram domesticadas (cana-de-açúcar, da Nova Guiné; café, da Etiópia; arroz, das Filipinas; laranja, China; etc). As plantas alimentícias consideradas 100% brazucas de maior destaque em escala global são a mandioca e o amendoim, que, ironicamente, todo mundo pensa ser asiático.

Por isso, nesse cenário, fica cada vez mais difícil de acreditar que um dia chegaremos aos mercados e feiras e encontraremos os matos que hoje chamamos de PANC. Imagina que doido seria se alguém resolvesse, como política de Estado, fomentar pesquisas e subsidiar cultivos e manejos de Plantas Alimentícias Não Convencionais, gerando condições para comercialização e inserção dessas espécies no mercado ou até mesmo na merenda escolar, como sugere Valdely Kinupp, biólogo e autor do acrônimo PANC — falamos dele no artigo anterior —. “Isso já seria uma grande forma de ensino, pois as crianças cresceriam conhecendo e educando seu paladar para frutas, verduras e legumes diferenciados, é o que chamo de merenda pedagógica.

Espero de coração que neste ponto você esteja se perguntando o que você pode fazer para ajudar a impedir que caminhemos para um mundo pós-apocalíptico regido pelas indústrias do agrotóxico — que não é pop! — e pela papa ultraprocessada que nos mata um pouquinho a cada dia. Então… Comece deixando de ser chato e coma de tudo. Foi a um restaurante e tem um treco diferente no cardápio? Peça para provar. Foi à feira e a senhorinha que trabalha com agricultura familiar te ofereceu uma fruta que você nunca viu na vida? Compre uma. Viu um vegetal diferentão no seu reality show favorito de culinária? Vá até a venda mais próxima e procure por ele. Você pode fazer tudo isso e, também, consumir as Parte Alimentícias Não Convencionais de uma Planta Convencional. Basta encher o saco do povo das feiras e dos mercados. Peça sem parar, e aí uma hora eles trazem para você.

Massa com pesto de rama de cenoura | Foto: Gabriel Castaldini

Você sabia, por acaso, que as folhas da beterraba são comestíveis e deliciosas? Aliás, sabia que a beterraba tem folha? Não vale mentir! A propósito, as folhas da cenoura, chamadas de rama, também são comestíveis, só que, infelizmente, em 99% dos casos, as cenouras chegam às feiras sem elas. Ou, pior ainda, chegam dentro de sacos plásticos. Se alguma vez na vida você já esteve cara a cara com um pé de banana carregado, provavelmente você reparou na que ponta dos cachos há uma espécie de flor (inflorescência). O nome daquilo é mangará, popularmente chamado de “coração” e “umbigo”. E até isso é de comer. Quando cortado do cacho, e aqui vale a curiosidade, as bananas amadurecem mais rapidamente e ficam mais docinhas, porque o mangará só serve pra sugar os nutrientes delas. É tanta opção!

Flores e caule do mamoeiro, flores e brotos terminais de abóboras, folhas de tamarindo, casca do abacaxi (usada para chás), casca e flores da pitaya, folhas de couve-flor e brócolis, a parte branca da melancia — pelo amor de Mãe Natureza, não compre nunca mais aqueles pedaços de melancia sem casca e embalados no plástico —, casca de laranja, casca de melão e de maracujá, casca de banana… Poderia escrever um montão de linhas só citando exemplos. Mas para resumir, é o seguinte: é de comer, mas não é conhecida de geral? Então é PANC. É de comer, mas faz parte de uma planta super convencional, como o caso da banana? É PANC também.

Adotando medidas simples, sobretudo se optar por produtos orgânicos e oriundos da lindeza de uma horta de agricultores familiar, você contribui diretamente para um ambiente sustentável e, de quebra, presenteia o seu paladar e o seu corpo com nutrientes essenciais. Para você ver que não é nada difícil quanto parece, vou deixar uma receita bem baba pra vocês. Vamos começar pelas fáceis!

Pesto de rama de cenoura

Pesto de rama de cenoura, ideal para acompanhar massas, saladas e torradas | Foto: Gabriel Castaldini

Em um pilão ou no processador, coloque dois maços de médio a grande de ramas de cenoura — e só faça isso se suas cenouras forem orgânicas! —, queijo parmesão, castanho do Pará, suco de um limão, pimenta-do-reino moída na hora, sal a gosto e dois dentes de alho. Macere tudo e, aos poucos, vá adicionando um azeite de oliva dos bons. Pronto! A rama que iria para o lixo virou um pesto incrivelmente saboroso e aromático, e você pode utilizá-lo em massas, em saladas ou da maneira que preferir.

Folhas de beterraba

Você pode utilizá-las em saladas frescas, refogadas… E com um pouco mais de ousadia, você pode substituir a couve e o repolho pelas folhas de beterraba na hora de fazer charutos!

Mangará

Com o coração na mão. Literalmente! O mangará, popularmente chamado de “umbigo” e “coração”, rende um ótimo recheio para pastéis e tortas. Cortá-lo da bananeira faz acelerar o amadurecimento dos frutos, que não têm mais com quem competir pelos nutrientes | Foto: Gabriel Castaldini

Esse é um pouquinho mais chato de manipular! Vá retirando as folhas externas dele e você chegará na flores. Essas flores, pequenas, podem ser refogadas e consumidas. São amargas nível jiló. Eu curto demais! Mas se você não gosta de jiló, nem chegue perto delas. Por fim, abra o mangará ao meio e retire o miolo dele. Pique bem fininho. Mas tem que ser ligeiro, por causa da oxidação. Por isso, pique rapidinho e já jogue me uma bacia com água, sal e limão. Isso vai amenizar a oxidação. Deixe de molho por uns minutos e depois e lave e escorra. Feito isso, você pode refogar com alho e cebola e consumir como desejar. Fica muito bom como recheio de pastel!

No nosso próximo encontro, a gente volta a falar das PANC “esquisitonas”, e eu vou mostrar como a gente pode achar comida no paisagismo dos shoppings da cidade. Estranho? Sim. Mas é de um sabor…


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