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O que falta ao mercado cervejeiro artesanal?

CRAFT

Tim Gouw via Unsplash

O crescimento da indústria cervejeira é visível no Brasil.

De acordo com o Ministério da Pecuária e Abastecimento (o famoso MAPA), o país apresentou um crescimento de 37,7% no número de cervejarias registradas no ano passado. Segundo o órgão, terminamos o ano de 2017 com 679 fábricas e quase 9 mil produtos registrados. Ou seja, se tomarmos 1 cerveja diferente por dia, demoraríamos quase 25 anos para provar tudo que o país já criou.

Mas, penso que ainda temos muito a evoluir para sermos uma cena cervejeira mais madura. E listei alguns pontos em que podemos pensar como itens que precisam amadurecer.

– União do setor, como mercado.

Somos até que unidos, sim. Temos laços bacanas entre as fábricas, muitas cervejas colaborativas surgindo, troca de equipamento, empréstimo de matéria-prima, profissionais compartilhando conhecimento. Existe Abracerva, existem Acervas, existem Polos, festivais, concursos, festas, eventos e confrarias. Tivemos nos últimos anos uma maior preocupação em montar congressos e encontros com mesas redondas que trazem profissionais para discutir o mercado. Ainda tem espaço para união?

– Divulgação da cultura cervejeira.

Cultura cervejeira é falar sobre a cerveja artesanal aos 4 cantos do mundo? A mídia espontânea da última década ajudou e muito. É preciso agradecer o espaço que o conteúdo cervejeiro ganhou em jornais, revistas, programas de TV, livros, mídias sociais famosas etc… Sem essa “falação” toda, pouca gente teria ficado curiosa para sair da #semprepilsen. Os cervejeiros caseiros, chamados homebrewers, fizeram uma diferença silenciosa. De garrafa em garrafa, sem rótulo ou com adesivos simples, as cervejas feitas em casa, apartamento, varanda, quintal, lavanderia, cozinha, quiosque, sala e calçada, conquistaram a galera que visita a casa de um paneleiro e é chamado para provar o líquido fermentado e caseiro. Minha avó fazia bolos e tortas com a mesma paixão, essa é a diferença do sabor. Cheias ou não de off-flavours, são a liberdade de expressão do nosso povo, no próprio quintal. Um estilo de vida escolhido nos tempos contemporâneos de cevada que é trazida do outro lado do Atlântico em apenas 1 dia.

– Saber o que é a cultura cervejeira.

Precisamos nos perguntar se já sabemos o que é realmente a chamada “cultura cervejeira”. Essa troca de conhecimentos, compartilhamento da história, da técnica, a compreensão da matéria-prima, da fabricação, a utilização de metodologias próprias ou uso de ingredientes do quintal é o que forma esse conjunto? Muitos são os itens que compõe esse mar que chamamos de cultura. Antes de ter um estilo brasileiro de cerveja, é preciso entender a nossa cultura cervejeira em si.

Achei uma definição legal sobre cultura, quando estava pesquisando sobre o termo:

“Cultura é o conjunto de tradições, crenças e costumes de determinado grupo social. Assim, a cultura representa o patrimônio social de um grupo e a soma de padrões dos comportamentos humanos. É a gama do comportamento de um grupo de pessoas envolvendo seus conhecimentos, experiências, atitudes, valores, crenças, religião, língua, hierarquia, relações espaciais, noção de tempo, e conceitos de universo. ”  Site Toda matéria

– Entender volumes e metas.

O mercado discute há tempos sobre até onde vai o conceito de artesanal. Qual é o limite de produção para ter a “chancela” de craft? Se copiamos grande parte das coisas que acontecem nos Estados Unidos, vamos olhar para lá e ver até onde se chega e até onde se quer chegar. Já ouviu falar da Brewers Association? Você pode ser uma pessoa que só quer fazer cerveja para sua cidade ou seu bairro, mas também pode querer ser um grande player, com cerveja em todos os lugares do grande país. Perspectiva e metas. Grandes ou pequenos. Que país grande para dividirmos!

Nos Estados Unidos, andei lendo que o limite é cerca de “até 50 funcionários” ou 2 milhões de barris por ano para ser considerado artesanal. No Brasil, este valor ainda não foi entendido. E me pergunto o quanto é realmente necessário ele ser traçado.

Foto: Adam Wilson via Unsplash

– Aumento da profissionalização dos que já estão no setor.

Alguém que fazia cerveja 20 anos atrás, não faz cerveja hoje só para esse mesmo público de sempre. No meio do caminho, ao longo de duas décadas, por exemplo, a tecnologia mudou, chegaram novos ingredientes, técnicas foram surgindo, novos equipamentos foram colocados em uso, o paladar da sociedade mudou, o conceito de valor é outro. É preciso estar em constante atenção ao que acontece no consumo cervejeiro. O que precisamos para melhorar o profissional que trabalha com a bebida?

– Planos de carreira para quem pensa em ficar para sempre.

Como saber se você pode mudar de carreira e pagar os boletos que nunca param de chegar? E as cervejas novas e caras que sempre queremos provar? Com o tempo, é possível que todos queiram evoluir em seus afazeres. É natural buscar uma especialização e ter um projeto de vida, planos para o futuro. Fora da grande indústria, é possível pensar em plano de carreira a longo prazo? O setor já consegue pagar bem? Quais são os cargos que essa indústria disponibiliza? O holofote está apenas no cargo de mestre cervejeiro, mas outras pessoas são indispensáveis no processo como um todo. É um bom trabalho em equipe que faz uma boa cerveja. Incluindo as leveduras que se não trabalham bem, estragam tudo.

– Matérias-primas brasileiras para baratear o custo.

Lúpulos, leveduras e grande parte dos maltes especiais vêm de fora e por isso o custo das cervejas ditas especiais é bem acima do normal. No Brasil, já se pesquisou muito e já existe o uso, em pequena escala, de lúpulos da Serra da Mantiqueira, além de levedura brasileira para cervejas comerciais. Maltes com torras especiais também começam a circular. Luz no fim do túnel é o que não falta. Se observarmos o que o mundo do vinho pode nos ensinar, o champagne perde cada vez mais espaço em nossas prateleiras para espumantes brasileiros premiados no exterior. Uma questão de investimento, especialização, olhar a própria terra e aguardar o tempo para ver resultados. Não dá para copiar tudo, é preciso se adaptar.

– Custo Brasil, menos impostos para os menores.

O jornalista Daniel Navarro escreveu sobre o porquê de as cervejas artesanais custarem tão caro. Neste artigo publicado aqui na Farofa, explicamos a composição do preço final da cerveja no país.

Foto: Robert Mathews via Unsplash

– Democratização do paladar, aumento do consumo de cervejas artesanais.

Somos guiados pelo nosso paladar. Desde todo o sempre, nós, como animais, seres que precisam do alimento para sobreviver, estamos caçando aquilo que nos fortalece, nutri e conforta. E cada vez mais as possibilidades de olhar para um produto são muitas e sob diferentes perspectivas. Por isso, essa evolução vai acontecendo naturalmente. Um dia, as pessoas conseguem enxergar melhor suas alternativas. Mudam. Começam a escolher não só pela quantidade. Nem só pela fama. Nem pelo preço.

O amargor não incomoda mais. A acidez não é mais a vilã, quando na medida certa. Doçura não é sinal de escolha de gênero. Grau alcóolico não tem nada a ver com status. Mudar paradigmas ainda é a maior dificuldade que temos pela frente. O paladar se torna o guia. Quem será esse mapa?

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