O Noma fechou, e eu com isso?

O Noma fechou, e eu com isso?

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Ditte Isager/Courtesy NomaDitte Isager/Courtesy Noma

Se eu fosse começar esse texto de uma forma clichê, diria que você, como uma pessoa que consome cultura gastronômica e até come em restaurantes que oferecem experiências diferenciadas, tem tudo a ver. Mas, na verdade, eu, você e todo mundo que gosta do universo gastronômico temos pelo menos que pensar um pouco sobre o fechamento do eleito melhor restaurante do mundo. Tem a ver com o nosso umbigo.

Fui muito de acordo com a linha de pensamento do Rafael Tonon e de colunistas do Eater, que refletiram sobre a justificava usada por Rene Redzepi a respeito do modelo de negócio adotado ser “insustentável”.

Assim como Tonon, tenho também muito mais pontos de interrogação, dúvidas e curiosidades a respeito do anúncio do “fechamento” premeditado, que acontecerá somente em 2024, do que qualquer tipo de resposta. Aliás, nem é meu papel ter qualquer conclusão certeira sobre o assunto, pois, assim como vocês, até pouco tempo atrás apenas via o Noma com brilho nos olhos. Os pratos de Rene estavam nos meus stories matinais de monstrões.

Temos falado tanto de sustentabilidade ultimamente. E foi aí que fui pega pelas falácias que criamos da admiração sem um pensamento crítico. O Noma é um dos responsáveis por um estilo de cozinha que The Guardian chamou de New Nordic (Novo Nórdico: aqueles pratos com legumes fermentados, pena de pato no prato, tripas curadas: tudo muito minimalista e, à primeira vista, seguindo o conceito keep it simple.

Mas é “simple” mesmo? Citando o mais monstrão de todos, Carlos Dória, “o fechamento do Noma é um ponto de inflexão da gastronomia”, pois estamos falando o tempo todo de sustentabilidade em processos, ingredientes (a própria ideia da gastronomia new nordic com seus pickles e ingredientes com técnicas para durarem o ano todo) e nunca antes paramos para vomitar na mesa uma das maiores insustentabilidade de todas.

Não é bom para quem trabalha, pois simplesmente não paga e não fecha a conta social que o modelo econômico do mundo joga nas nossas costas. Tenho certeza de que nenhum cozinheiro do Noma está nadando em dinheiro uma hora dessas e a ideia de que o estagiário que não recebe – porque ele ganha experiência – é a coisa mais controversa que existe na gastronomia. Estava tão na nossa cara por tanto tempo, e precisou de um acontecimento desses para colocarmos em pauta.

E eu com isso? Questionando, refletindo, comendo, indo aos restaurantes que replicam esse modelo. Se é para ser sustensável, a gente não pode falar apenas de meio ambiente. Temos que falar de pessoas.

O projeto do Noma, que vai continuar, é incrível. Eu continuo fã e não quero colocar um alvo na cabeça de chefs estrelados, pois é um problema de um formato que se criou e é aceito. Quando percebemos, já estávamos dentro do problema que foi criado e sustentado por nós mesmos. O Noma é e vai continuar sendo inspiração. Mas é, no mínimo, bom termos esse outro olhar do que também pode significar o fechamento de uma grande fonte de admiração.

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