Lançamento de Chicha brasileira, bebida ancestral sul-americana

Lançamento de Chicha brasileira, bebida ancestral sul-americana

- em Beber, Inovar, Matérias
Milho, o ingrediente ancestral. Foto: Bia Amorim

Após três anos de pesquisa e desenvolvimento, uma cerveja com malte de milho, lúpulos brasileiros e leveduras locais de Florianópolis, será lançada em dezembro. Cozalinda, cervejaria vanguardista em cervejas de terroir e Kairós, a maior artesanal da Grande Florianópolis, lançam essa cerveja em conjunto, já tendo até pedido para exportação.

Para o leitor desavisado ler que cerveja com milho é inovação parece piada, mas não é! Pela primeira vez uma chicha contemporânea será vendida no Brasil, produzida com malte de milho, levedura e lúpulo catarinense, em processo de pesquisa e desenvolvimento que se iniciou em 2020 e contou com o apoio e tecnologias desenvolvidas por diferentes empresas catarinenses. Curioso e apaixonado pela história local, Diego Simão, co-fundador e cervejeiro da Cervejaria Cozalinda, desde 2018 transforma seus estudos e pesquisas sobre bebidas ancestrais brasileiras e locais em cervejas. Dentro desta linha já criou a “Já Passou a Paulo Lopix?”, cerveja inspirada no Cauim (bebida ancestral à base de mandioca) e que deu origem ao Projeto Manipueira, projeto nacional que foi abraçado por mais de 50 cervejarias em 14 estados brasileiros e exportada.

“Uma das grandes missões deste projeto é desmistificar o uso do milho na cerveja. Se inventou a história que o uso milho é algo depreciativo. Essa fala, apesar de ter nascido em um diferente contexto, virou sinônimo de que milho na receita é cerveja ruim. Produções com milho maltado são feitas na América do Sul há milhares de anos e sobreviveram ao desafio do tempo por serem boas. Uma bebida ancestral, tradicional e que é nossa, é da América do Sul. Temos de valorizar o que é nosso”. Diego Simão Rzatki – Co-fundador e cervejeiro na Cozalinda

A nova cerveja de milho teve a chicha como inspiração. Bebida ancestral de milho feita, ainda hoje, por povos originários de diversos países sul-americanos, presente na vida de populações no Brasil, Argentina, Chile, Equador, Bolívia, Colômbia e no Peru, onde a bebida é mais popular.

Para produzir a novidade, o malte de milho teve que ser desenvolvido do zero. Em 2020 se buscou, sem sucesso, conseguir sementes de milhos rústicos, indígenas, para produzir o malte, até que em 2021 se chegou as variedades de milho desenvolvidas pela Epagri, ou seja, variedades catarinenses. Somente os milhos Fortuna e Colorado desempenharam bem no campo, na Fazenda Santa Virgínia (da família dos fundadores da Cervejaria Cozalinda) durante a safrinha de 2022. Feita a colheita e a devida secagem, se enviou para malteação no início de 2023.

“Comecei a fazer cervejas pois não gostava de cervejas feitas com milho. Agora descobri que o problema não era o milho”. Sócio-fundador e cervejeiro da Cervejaria Kairós

Essa tarefa coube a Maltes Catarinense, de Marcos Odebrecht Jr., professor de malteação e Coordenador Técnico da Escola Superior de Cerveja e Malte de Blumenau. Geralmente, o milho é utilizado na forma de adjunto (sem passar pelo processo de malteação), de onde é obtido extrato para trazer os açúcares existem presentes no milho. Neste caso em específico, o milho foi malteado, o que traz também aromas, sabores e características únicas para o produto. Algo totalmente disruptivo para os dias atuais, mas que já foi muito comum na Era Pré- Industrial das Cervejarias. Ou seja, coube a Maltes Catarinense resgatar este conhecimento e reproduzi-lo, adaptando as técnicas reportadas na literatura cervejeira com as práticas de malteação com germinação no piso (floor malting) e a secagem para obter dois maltes distintos a partir das variedades de milho utilizadas.

“Muito importante o resgate da produção dos maltes de milho. Esse uso histórico estava perdido, apesar dos testes acadêmicos, mas não havia semente suficiente para uma produção em escala comercial. Somente após o Projeto Peabiru da Cozalinda que tivemos acesso a quantidade suficiente para testes de bancada e a posterior produção. Com isso, uma nova janela oportunidades se abre, não apenas para malte, mas para chichas, cervejas e demais experimentações, possibilitando que os cervejeiros explorem sua criatividade utilizando estes maltes”. Marcos Odebrecht Jr

Após finalizado os estudos e testes práticos, a produção do malte ocorreu em agosto de 2023. O próximo passo era produzir, mas como fazer? Para isso se recorreu a quem está já há algum tempo trabalhando essa adaptação da Chicha para modelos de produção contemporâneos.

Em setembro, ocorreu uma aula/produção teste em São Paulo durante o II Encontro Selvagem, o congresso brasileiro sobre cervejas selvagens da ABRACERVA (Associação Brasileira de Cerveja Artesanal) criado por Diego em 2021. A aula, na Cervejaria Trilha, conduzida pelos peruanos da Cervejaria Victoria Chicha de Cuzco, produziu a primeira chicha contemporânea selvagem do Brasil que ainda está em fermentação e deve ser lançada no início de 2024. Tal aula foi acompanhada por cervejeiros de mais de 20 cervejarias de diversas partes do Brasil, as quais em breve devem começar, também, a produzir em breve suas versões.

Com o insumo pronto e conhecimento adquirido, a Cozalinda convidou a Kairós para a elaboração da Chicha Contemporânea colaborativa. Diante do conhecimento existente se adaptou a receita, incluindo microrganismos fermentativos locais da Levteck e lúpulos produzidos em Lages, pela Fazenda 1090.

“Todo o equipamento e processo em uma cervejaria é pensado para trabalhar majoritariamente com malte de cevada. São técnicas e regulagens próprias para o cereal típico de produção de cervejas comerciais. Tivemos que adaptar o moinho de malte, o processo de filtragem e outros pequenos desafios e mudanças que não são comuns ao dia a dia. Mas o resultado valeu a pena, é um produto surpreendente”. Bárbara Mörtl – Engenheira de Alimentos e cervejeira responsável pelo projeto na Cervejaria Kairós

Deste esforço colaborativo entre Cozalinda e Kairós, quatro cervejas serão lançadas, duas para cada variedade de malte de milho. Com o milho Fortuna, se fez uma Chicha Contemporânea e uma Frutillada Contemporânea com adição de goiaba, erva doce e anis estrelado. Para o milho Colorado, uma Chicha Contemporânea e uma Frutillada Contemporânea também.

Chica da Kairos no processo de fabricação. Foto: Divulgação

O resultado é uma cerveja frutada e refrescante, indicada para harmonizar com gastronomia que leva em conta a cultura brasileira e sulamericana R. Na opinião do cervejeiro Diego, tem tudo para substituir as cervejas de trigo (belgas e alemãs) tradicionais estabelecidas no mercado.

“Em função dos anos de estudo de cervejas tradicionais, voltados às Escolas Cervejeiras europeias, eu não sabia o que esperar e fiquei impactada positivamente com a Chicha Contemporânea produzida por esse pool de empresas regionais. Essa bebida nasce inspirada em nossa cultura ancestral. É muito emocionante”. Rosária Penz Pacheco – Sommelier de Cervejas

A nova cerveja chega ao mercado em chopp e garrafas, com vendas em diferentes estados brasileiros, nos primeiros dias de dezembro e inclusive já tem pedido para exportação para o Canadá. No dia 2 de dezembro a cerveja estreia com um lançamento no Hora K, no bairro Itacorubi em Florianópolis e em diferentes capitais do país. Neste dia, em Floripa, os cervejeiros de ambas as cervejarias servirão a cerveja, assim como haverá a presença dos produtores do malte de milho e do lúpulo no dia vendendo seus produtos.

Você também pode gostar

Cerveja artesanal um olhar em 2024

O mercado da cerveja artesanal como conhecemos atualmente