2022 cervejeiro, o que as minhas papilas esperam de mim?

2022 cervejeiro, o que as minhas papilas esperam de mim?

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Sommelière 2022Desejo a todos e suas papilas que façam escolhas que são baseadas em suas realidades. Foto Hugo Battaglion

Fui uma sommelière mal humorada em 2021. Tomei excelentes cervejas, me emocionei com alguns rótulos, bebi ótimas latas que eram parecidas, mas todas diferentes. E também azedei meus próprios comentários com algumas cervejas realmente mal feitas ou que se perderam no tempo ou até por algum azar tomaram caminhos contaminados.

Mas para 2022 quero retomar as minhas paixões cervejeiras. Quero passear em territórios e terroirs que podem ser ácidos e complexos. Não com algum complexo, a síndrome do vira lata malte caramelo é real e está em nossos julgamentos. Fazemos cervejas incríveis e tá na hora de assumir que tem muito elogio a ser pregado por aí. Não só de cervejas bem feitas, mas de projetos, equipes, turmas, profissionais e muita gente trabalhando com paixão nesse universo fermentado nacional.

Em 2022 quero ter a perspectiva de quem vê, como viu Pasteur quando colocou a cerveja no microscópio, aquela admiração de descobrir as coisas que sempre estavam ali, mas faltava a forma certa de olhar.

Não encontrar minhas amigas e amigos, não estar em um lugar lotado, não sentir o cheiro de gordura no ar, não ouvir a música que se mistura com as conversas, não ter o gelo e limão como a gentileza possível. Isso me magoou muito. Tirou esse brilho nos olhos de quem vê um chope bem tirado chegando no balanço do salão, o copo caldereta suando em gotas que condensam a nossa transpiração no movimento sensual da bandeja. Fiquei amarga.

Dois anos provando dezenas de lúpulos de diferentes lugares do mundo e novos nomes surgindo no meu vocabulário sommelier. Dois anos em um projeto de livro que deve sair logo mais, um importante fato no meu ano cervejeiro! Dois anos bebendo cerveja em casa. Bebendo no silêncio. Dois anos sem usufruir de toda a hospitalidade que me habita, todo o serviço que me transborda, dois anos sem ser sommelier. Então quem sou? Sou digital, somos virtuais, um metaverso em 2D? Os novos tempos carecem de entendimento e uma birita.

Meu coração cervejeiro espera muito de mim. Encontrar as pessoas que pensam cerveja além do copo, que bebem cerveja e discorrem cerveja. Meu coração cervejeiro não quer julgar sua cerveja, nem a do outro e nenhum copo alheio. Quero convencer as pessoas de que saber mais sobre cerveja é fazer melhores escolhas, é você entender o que gosta e não apenas o que está mais fácil na prateleira. Entender um rótulo, entender o conceito, os valores e o porquê da cerveja artesanal trazer tantas formas de experiência. Não é só sobre degustação sensorial, é sobre consumo.

As minhas papilas esperam muito de mim

Às vezes acho que minhas papilas pensam. Nesses últimos tempos ando lendo Jeffrey Steingarten e sobre tudo o que ele já comeu. Se for pensar pelo viés de Brillat Savarin, a fisiologia do meu gosto seria diferente do dele. E Nina Horta há de concordar que sopa é janta sim, ou pelo menos o ensopado é! E o que teria sido de meus pensamentos gourmands e profundos se não fosse Nicola Perullo amplificando os raciocínios com o debate sobre a experiência e o gosto? Mas por que ler autores que não são cervejeiros? As revoluções da comida, ensina Rafael Tonon, são um foodismo, mas são também reflexo de nós mesmos.

Quem aqui quer saber alguma coisa sobre essa filosofia de boteco?

Pensar no copo é uma sommelieria contemporânea, a maneira como fazemos hoje. Quero ser uma pessoa que mais do que servir copos, fique imersa nessa travessia social que o beber uma cerveja nos coloca. Quando te sirvo penso em milhares de anos, penso em centenas de estilos, penso em dezenas de pessoas que revolucionaram a forma como a gente bebe. Bebo, logo existo.

As minhas papilas esperam muito de mim. Às vezes acho que elas são mimadas demais. Passei os últimos anos trazendo garrafas safradas. Lúpulos colhidos em Yakima Valley de varietais com notas tropicais e frutadas em intensidades que um duplo dry hopping cria um jardim e um pomar na mente. As papilas indulgentes berram por ésteres que chegam via leveduras brasileiras, selvagens como os gringos sempre nos viram. O verão assinando a responsabilidade por um quê ou outro de acidez desmedida. As papilas nacionalizadas, todas elas as fungiformes, circunvaladas, filiformes e foliáceas.

Tive dias isolados, rezando por tempos melhores e aí é que batia uma saudade belga, um clássico que não foi mexido, um sabor de tradição centenária, uma leve alemã ou uma inglesa que tanto me ensinou. As cervejas de memória foram importantes do quesito “cerveja afetiva” e tenho uma lista grande de sucessos que nunca saem dessa moda.

Tendências de um 2022 cervejeiro

É sempre uma sala escura falar sobre as próximas tendências. O mercado norte-americano mais maduro e com mais tempo de voo fala sobre os tempos de mudanças, sobre ter variedade nas torneiras do bar, as lagers bem feitas e necessárias. A discussão sobre produzir apenas um estilo desse hype já existe, as críticas são pelo comodismo de se produzir algo fácil e confortável.

Sabemos que as cervejas mais vendidas ainda são as lagers e as mais produzidas em menor escala ainda são as IPAs e suas variações. Apesar de sofrer críticas quem é da inovação precisa inovar e para isso que servem as experimentações onde vez ou outra vemos alguns absurdos por aí. Até as grandes nações cervejeiras do Velho Mundo debatem o futuro, sem abrir mão do conhecimento do passado. O importante é se manter em movimento.

Aqui no Brasil eu ainda gostaria de ver as cervejas com baixo teor alcoólico e também as zero álcool ganharem mais sabor e espaço nos copos, mas entendo que carece de um investimento que 2022 parece não ter verba. Pensando nesse quesito monetário, não vejo muitas coisas grandiosas, mas penso que pequenos lotes já contam alguma história, por isso acredito que veremos mais investimentos na consolidação de sabores de quintal, de sitio, de memórias antigas com frutas e a acidez ganhando no ponto refrescância.

Teremos mais cervejas lupuladas e essa nem tendência já é mais, veio pra ficar. Saber os detalhes dos lúpulos pode ser um tempo bem gasto já que faz parte da diversão de beber blends tão aromáticos e cheios de curvas em resina, pinho, retas em frutas amarelas e de caroço e loopings em dank terpenados. E se a vida nos permitir, vamos RIS um pouco também.

Ouvi dizer que vem uma frente de Lagers sofisticadas, mas estamos prontos para entender o valor da lata, em uma cerveja delicada? A comparação com as marcas baratas da mesma família serão feitas e são injustas. O famoso é bom pra quem? Quais são nossos parâmetros? Enfim, toda uma válida discussão a ser feita. No fundo a tendência que eu queria ver e sentir é no bolso, com menos impostos para os menores, com menos burocracia e mais democracia.

Desejo a todos e suas papilas que façam escolhas que são baseadas em suas realidades, mas com possibilidade de entender que muitas vezes, menos é mais, menos é também escolher melhor. Meu trabalho como sommelier de cervejas é entender como vamos continuar a fazer essas pontes, agitar o líquido social, político e cultural. Das minhas papilas para suas papilas, os votos cervejeiros de saúde!

Em 2022 beba consciente, beba com moderação.

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