Neurogastronomia, a ciência por trás do sabor

Neurogastronomia, a ciência por trás do sabor

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Pesquisas avançam e mostram que o paladar é um sistema multissensorial que vai muito além da língua e das nossas papilas gustativas | Foto: pexels

Já imaginou comer um prato de salada sentindo sabor de pizza? E comer um cubinho de alga super nutritivo sabor chocolate? Pois saiba que existem pesquisas nesse sentido, que utilizam os avanços tecnológicos somado aos conhecimentos da Neurogastronomia para enganar nosso cérebro quanto ao sabor daquilo que estamos comendo. 

Seria bom? Ruim? Vem entender.

“O paladar é uma ilusão do cérebro e sua criação envolve a antecipação, os sentidos, as emoções, as memórias e o ambiente.” (livre tradução)

                          Merlín Gesser – Neurogastronomia aplicada 

Todos os sentidos participam

Tenho certeza de que você já tapou o nariz para tomar um remédio ruim, já disse a frase “tá de comer com os olhos”, sentiu o sabor do seu doce preferido só de pensar nele ou reparou como a comida perde a graça quando estamos gripados e com o nariz entupido. Esses são exemplos práticos de como o paladar é um sistema multissensorial que vai muito além da língua e das nossas papilas gustativas. 

A Neurogastronomia é esse campo da neurologia que estuda o mecanismo utilizado pelo nosso cérebro para processar e interpretar as informações relacionadas ao ato de comer. Esse termo foi utilizado pela primeira vez em 2006 pelo neurobiologista Yale Gordon Shepherd que mais tarde escreveu um livro chamado Neurogastronomy – How the Brain Creates Flavor and Why It Matters (sem versão em português) onde descreve em detalhes a nossa percepção de sabor, especialmente a participação do olfato.

Equipe do The Meta Cooking, projeto que emula sabores através de realidade virtual | Foto: The Meta Cookie

Hoje se sabe que o olfato participa de mais de 80% da nossa percepção de sabor. Sem ele, seria impossível diferenciar algo além de doce, salgado, amargo, azedo e umami. O olfato é capaz de reconhecer os milhões de cheiros formando um grande repertório a ser consultado cada vez que comemos. Ou seja, tanto os odores externos como os captados dentro da boca (retronasal) são rapidamente enviados para o cérebro e lá ficam armazenados na nossa memória. Se esse odor se relacionar com uma boa experiência emocional, buscaremos a repetição. 

Alô, comida afetiva?!

Sentar à mesa com quem amamos libera oxitocina, hormônio associado ao prazer. Por isso a comida caseira tem “um gosto único”.

A visão é o primeiro sentido a ser estimulado quando vamos comer. Antes da primeira mordida, seu cérebro antecipa um sabor de acordo com suas vivências. Essa antecipação é tão importante que, participantes de uma pesquisa tiveram dificuldade em reconhecer o sabor morango em um sorvete com outra cor que não a habitual rosa clara. Quando se trata da influência da visão, aspectos como a cor da louça, a iluminação, a apresentação do prato e o ambiente são um tanto relevantes.

E não para por aí: os outros dois sentidos, tato e audição, também enviam suas informações sobre a textura e temperatura dos alimentos. Temos preferência por alimentos crocantes e, sabendo disso, empresas de salgadinhos chegam a medir quantos decibéis suas batatas alcançam ao serem trituradas pelos dentes, uma vez que a crocância é percebida como frescor pelo consumidor.

Temos ainda o som ambiente que pode nos fazer acelerar a refeição e, segundo um experimento feito para a campanha publicitária de uma marca de cerveja, sons de baixa frequência (73Hz) nos fazem sentir mais amargor.

Só quero chocolate

Todo esse conhecimento da Neurogastronomia, em conjunto com as tecnologias cada vez mais avançadas, possibilitou que dois projetos, o Project Nourished e a The meta cookie pudessem, através de estímulos visuais com uso de um óculos de realidade virtual e odores específicos, emular o sabor de chocolate mesmo que você esteja comendo um cookie neutro ou um cubo de algas.

A proposta dessas ferramentas seria melhorar a qualidade de vida de pessoas com Alzheimer, Parkinson e outros problemas relacionados à alterações no paladar e olfato. Poderia também trazer benefícios para pessoas com transtornos alimentares ou em restrição calórica. 

Busquei mais material sobre esses projetos e não encontrei nada recente para saber o quanto avançaram, mas deixei os links para quem quiser ver como foram feitos os testes. 

Fora dos laboratórios, a neurogastronomia pode e deve ser utilizada pelos chefs e donos de restaurantes, não para enganar o cérebro dos clientes, mas para criarem experiências únicas e memoráveis controlando algumas das variáveis.

Quem fala muito bem sobre essa aplicação do conhecimento é o chef venezuelano Merlín Gesser em seu livro Neurogastronomía Aplicada (sem edição em português).

O sucesso do restaurante, mais do que sua proposta gastronômica e sua ambientação, está em atender e superar as expectativas do cliente, para criar, -vamos repetir isso como um mantra-, uma experiência única, memorável e sustentável ​​para que o comensal as repita e promova. Em uma frase – aqui está outro mantra – o trabalho do neurogastronomo é criar espaços e momentos que gerem felicidade. (livre tradução)

                                                         Merlín Gesser – Neurogastronomía aplicada 

A visão é o primeiro sentido a ser estimulado quando vamos comer. Antes da primeira mordida, seu cérebro antecipa um sabor de acordo com suas vivências.

Neurogastronomia no cotidiano

Para além de todo esse complexo sistema que envolve nossa alimentação, se tem algo que deixa a comida ainda mais gostosa é o amor. E veja que coisa mais linda: ao comermos juntos de pessoas queridas liberamos oxitocina. Sim, esse hormônio maravilhoso que é reconhecido por despertar prazer e afeto. 

“O cérebro o produz (hormônio oxitocina) quando várias pessoas se reúnem em uma mesa para comer e falar, começando em casa. Podemos dizer que sua ativação ocorre porque esse fato é concebido como protetor do indivíduo, logo, da humanidade, para assegurar a raça. Cérebro sabe que a mesa é um centro de

aprendizagem vital. Compartilhar a mesa é curativo.”  (livre tradução)

                                                         Merlín Gesser – Neurogastronomía aplicada 

 

LInks para se aprofundar:

Project Nourished | The meta cookie | Neurogastronomia aplicada | Academia Brasileira de Neurologia | 

Cerveja mais amarga

 

 

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