Qual seu dilemma cervejeiro para 2021?

Qual seu dilemma cervejeiro para 2021?

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Teleférico entre nuvens. Foto: Luciano Ribas, via UnsplashTeleférico entre nuvens. Foto: Luciano Ribas, via Unsplash

Que ano de merda esse que passamos. A pandemia pegou todo mundo de surpresa, por tempo maior do que o esperado. Tivemos abalos sísmicos nas estruturas antigas de conceitos sociais em meio a maior tragédia dos tempos modernos. Talvez o terremoto não tenha sido sentido da mesma forma em todos os lugares, cada corpo teve sua própria experiência neste cabalístico ano.

 “O próprio viver é morrer, porque não temos um dia a mais na nossa vida que não tenhamos, nisso, um dia a menos nela. ” Fernando Pessoa

O fim deste ano se aproxima, é mais um somado em nosso calendário romano e histórico. Menos um em nossa batalha por nos entendermos como sociedade. Depois dessa existência em 2020, com tantos assuntos urgentes e importantes que nos foram dados, estava aqui pensando sobre essa desconstrução que vivemos. E qual “futuro” nos espera. Quais transformações são necessárias, quais paradigmas precisam ser quebrados.

Inquietações cervejísticas

Não sei vocês, eu mudei muito. Fico feliz com essa transformação e desestruturação que existe de forma viva e orgânica no meu psicossocial. Mudei meu olhar e trouxe mais potência para chamadas imperativas e posicionamentos que antes não havia tomado. Tudo a seu tempo, como diz o ditado popular que nos ajuda a fundamentar comportamentos.

Às vezes é difícil passar um dia em paz, pensando em como comunicar e compartilhar sobre aromas, sabores e estruturas que conectam a experiência, a neurociência, inovações e laços que podemos criar em uma garfada ou gole – mostrando a potência que a gastronomia, líquida ou sólida e sempre hospitaleira tem. Mas tem sido preciso lidar com as dores que gritam os nervos. Nem minhas acanhadas filosofias consigo estudar quieta. Em pauta, as interseccionalidades. Empatia. Bom senso. Valores Humanos. Abre uma cerveja que te faça companhia nesses assuntos amargos.

Foto: Rene Deanda, via Unsplash

Há 10 anos que ouço sobre união no mercado cervejeiro. Faz 10 anos que a mídia abriu espaço de forma mais ampla para as ditas artesanais. São 10 anos que enxergo um conflito ideológico, politico e econômico. Mas são só 10 anos que, eu e meu barquinho estamos olhando isso. Muito maior é o tempo que a cerveja existe e seus problemas estão sempre mudando. Faz apenas alguns dias que as coisas tremeram. Se formos olhar de um lugar chamado história, foram apenas algumas horas atrás.

Estamos caminhando liderados pela ética e respeito que é não somente necessário, mas exigido? Vamos trazer as discussões dos valores humanos, e a falta deles, para nossos comportamentos em um lugar onde não cabe mais nenhum tipo de preconceito? Vamos entender a história, deixando de lados nossas preferências e carimbos no passaporte?

Não é apenas sobre as cervejas que já bebemos, as que tem check in no Untappd, que saíram nas revistas ou que tem em livros. É sobre os cereais fermentados em outros continentes, em línguas que desconhecemos, copos repletos de cultura e verdades que parece as vezes não queremos provar.

É sobre novas possibilidades e a tão falada inovação.

Filosofias cervejeiras

Aristóteles (Estagira, 384 a.C. — Atenas, 322 a.C.) dizia que o “o homem é um animal racional” e uma das nossas tarefas era refletir sobre isso, investigando quem realmente somos e revolucionando isso. A pensadora britânica Philippa Foot (Inglaterra, 1920- Espanha 2010), uma das tantas mentes que se basearam nas filosofias de Aristóteles, tem um bom dilema diante de escolhas morais.

“Philippa dizia que virtudes como coragem, sabedoria e temperança são indispensáveis à vida humana e formam a base da moralidade” comenta o escritor Fabio Chiossi em um texto (aqui) onde ele explica algumas dilemas propostos por Philippa, para alunos do ensino médio, com a intenção de debater a moral e valores.

Este será um ano marcado na narrativa que contarmos. E ano que vem não será diferente. Teremos que continuamente refletir sobre todas as questões que estão em cima da mesa e continuar inovando os dilemas, desenterrando algumas conversas e aproveitar a maturidade que ganhamos com as brigas que tivemos.

O dilemma 2021

Então, para o próximo ano eu pensei no dilema antigo e filosófico de quem somos nós. Quem é a cerveja brasileira? Quem queremos ser para os “gringos”? É preciso provar algo? Nossa mistura, o gingado único desse povo miscigenado, diverso, criativo e apaixonado. Seremos quem quisermos ser.

Mas e os seguidores de uma lei de pureza antiga? Reclamões de novos estilos inventados? Seguidores da colonização? Inclusive radicais do malte puro! Estarão ali também, tomando a cerveja que gostam. Não tem porque a gente ficar pensando nisso enquanto o bonde passa.

Defendo olharmos para a cerveja brasileira em toda sua colheita de malte, seu plantio de lúpulo, propagação de levedura e inserção de adjuntos brasileiros e o respeito à nossa terra, nossas raízes e a valorização da cultura.

Temos vagas para: Defensores da pesquisa do lúpulo nacional. Patronos de levedura nativa. Advogados de Brett caseira. Padroeiros das frutas autóctones.

Vamos falar como outras bebidas já estão falando, sobre os Biomas? Não só de ingredientes mas desses lugares, territórios neste tão vasto Brasil. Um país que nunca foi descoberto, mas sim encontrado pelos Europeus! Quando aqui chegaram, botando banca, roupa, cultura e língua, já se fazia Cauim, fermentavam e bebiam em seus próprios rituais, na sua própria língua, suas próprias leveduras, a escola cervejeira brasileira.

É necessário descolonizar o pensamento.

É uma causa digna e humana, urgente. Uma narrativa mais ampla e inteligente. Respeitar as ancestralidades é respeitarmos nossa própria história.

Um farol que encontra a biodiversidade única

Não sou radical e não estamos falando de fechar fronteiras, rasgar receitas, queimar tecnologias. Mas dar espaço, vazão e luz a esse debate tão estrutural que vivenciamos e temos como uma oportunidade moldar o futuro. Não é sobre o hoje, é a árvore cervejeira no conto das tâmaras. Fica pronta daqui a 100 anos.

Um brinde à grande diversidade e quebra de paradigmas que vem por aí em 2021. Temos que batalhar para ser livre em todas as instâncias do paladar, dos corpos e da ética. E ser contra as desigualdades desumanas que foram construídas e colonizadas. Um incentivo, para pensarmos de forma mais construtiva nosso futuro.

O dilema está nas circunstâncias da vida. Vivemos resolvendo um nó atrás do outro. Ou, um nó traz o outro.

Qual seu próximo dilema cervejeiro?

*O título do texto parece que tem o M a mais, mas é a palavra dilema em latim

Leituras sugeridas, que me ajudaram a embasar o texto e o pensamento + tantas coisas da vida em 2020

PARA DESCOLONIZAR O PENSAMENTO – CONCEIÇÃO EVARISTO

https://brasil.elpais.com/brasil/2018/08/29/opinion/1535572605_988143.html

http://www.letras.ufmg.br/literafro/autoras/188-conceicao-evaristo

GUERREIRO INDÍGENA DO SÉCULO XXI Cristian Wariu Tseremey’wa

https://revistatrip.uol.com.br/trip/cristian-wariu-um-guerreiro-indigena-do-seculo-xxi

POVOS INDÍGENAS NO BRASIL Cristian Wariu Tseremey’wa

https://youtu.be/unkNJF_mlNQ 

ERIC WOLF – ANTROPOSOFIA – ETONGRAFIAS DO CAPITALISMO – Gustavo Lins Ribeiro

E Bela Feldman-Bianco

http://dan.unb.br/images/doc/Serie341empdf.pdf

SLOW FOOD BRASIL 2020 – TERRA MADRE

Oficina do Gosto Da Terra ao Copo: O Mercado de Bebidas Artesanais no Brasil

https://youtu.be/DuSGeEYvad0

Méis de Abelhas Nativas

https://youtu.be/-ubn7BQ_ZpM

Cacau e Chocolates de Origem

https://youtu.be/KQ77WCYVaeQ

As Comidas de Origem Africana e sua Popularização Fora das Comunidades Quilombolas e Religiosas

https://youtu.be/3VNyDFlA-DE

COQUETELARIA BRASILEIRA

https://revistatrip.uol.com.br/tpm/webstories/neli-pereira

VAI SE FOOD – AILIN ALEIXO PODCAST

Gastronomia Vegetal

https://share.olapodcasts.com/?id=1033251

Cozinha Árabe

https://share.olapodcasts.com/?id=892246

INTERSECCIONALIDADE interseccionalidade Carla Akotirene

https://www.geledes.org.br/o-que-e-interseccionalidade/

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