Cultura Cervejeira – uma crônica carioca

Cultura Cervejeira – uma crônica carioca

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O sábado amanheceu ensolarado. Da cama, estrategicamente posicionada de frente para a janela, apenas abri os olhos, pude admirar o encontro do azul do céu com o verde da mata. Aquela paisagem que encanta os cariocas. Tanto os de nascença quanto os de adoção. Só quem já viu sabe o ânimo que esse cenário te dá de ir pra rua, de viver a cidade.

Lembrei de imediato daquele boteco perto de casa onde tem um feijãozinho amigo. O almoço de hoje vai ser lá. Vou a pé, por ruas ainda meio preguiçosas de uma manhã de sábado. Acompanham o feijão, couve, torresmo e cerveja. Que cerveja? Qualquer uma! A que tiver. Mas não sem ela não dá. Como sem pressa. Olhando a freguesia que entra e sai, os quadros com paisagens do Rio do início do século na parede. 

A digestão é feita caminhando. Decido subir pra Santa Teresa para ver mais de perto esse encontro do sol com a cidade. Subo a pé a ladeira, feijão na barriga e cerveja na cabeça. Serpenteando sem pressa morro acima. A cerveja deixa a cabeça mais leve, mais fácil de carregar. Voa com os pensamentos para outros lugares e outros tempos. Ajuda a reduzir o esforço da subida.

Minha parada lá no alto é o boteco de sempre. Onde bebo uma cerveja de pé no balcão, enquanto leio a edição mais recente do jornal de bairro, que peguei no caminho. Mais uma vez a cerveja aqui é coadjuvante. Não importa marca nem estilo. Porém, mais uma vez, não pode faltar. Dessa vez não acompanha pratos ou petiscos, mas as notícias locais. E o movimento de vai e vem na ladeira que acompanho distraidamente. Me deixo ficar ali, no balcão, bebericando a cerva enquanto a tarde passa.

Uma cerveja e um jornal. Caminhar pela cidade em um sábado de sol. O que mais eu poderia pedir? Que tal um samba? E eis que São Sebastião advinha nossos desejos antes mesmo de serem feitos. Me liga um amigo. Vai rolar um sambinha lá pros lados da Glória. 

É próximo. Vou à pé. Desço a ladeira com o sol já se pondo. E penso em Chico quando canta sobre o poente na espinha das suas montanhas. Poeta é quem vê beleza até nas coisas mais corriqueiras.

O samba é na rua. No pé da ladeira de paralelepídedos. Os músicos armam a mesa em frente ao boteco. Um sobrado de pedra do início do século, abençoado por São Jorge iluminado pela luz vermelha. É ali que vamos pegar a cerveja. Que agora é degustada de pé, com os amigos. Trocamos notícias, fofocas e sorrisos, molhando as palavras e mexendo os pés enquanto ouvimos a música. Ela está ali de novo, nos acompanhando. Coadjuvante obrigatória. 

Volto pra casa com a cerveja e os sambas ainda ressoando na cabeça. Ao deitar no travesseiro, lembro de tudo que vivi naquele dia. Mas não lembro da cerveja. E, no entanto, ela esteve sempre lá. Me acompanhando em todos os momentos da jornada. Nunca como a protagonista da cena. Mas uma coadjuvante que, se lá não estivesse, com certeza ia fazer falta. 

Em homenagem a Domenico de Masi (01/02/1938 – 09/09/2023)

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