Sabe aquele momento quando uma pessoa adulta descobre que você é sommelier de cerveja? E parece que aquilo que você faz como trabalho, é uma das coisas mais legais do mundo? Sabemos que tem uma grande porcentagem de gente que adora saber que você é uma pessoa entendida da gelada. Por alguns minutos, tudo faz sentido. Você importa, sua sabedoria é valiosa. Cer-ve-ja.

Convenhamos que talvez já tenha feito mais sucesso. Alguns anos atrás ninguém nunca tinha ouvido falar nisso, o mais parecido que a galera ouvia era sobre sommelier de vinho. Agora tem sommelier de todas as bebidas, tem mixologista e barista, um monte de especialista. Em bebida, muitas delas. E tem a turma dos fermentados, de todos os tipos. De muitas culturas, quem diria né, milhares de anos fazendo a bebida e pleno século XXI, um bando de sabidos, falando, inovando, experimentando e claro, reclamando.

Eu admito. Reclamo, opino, escrevo, penso e falo pelos cotovelos sobre essa bolha, tô sempre envolvida em uns paranauês lá e cá. A cultura cervejeira é um grande rio! As bebidas são o que são e nos trouxeram onde estamos. Olhar para esse mercado e nos mantermos sempre debatendo-o, como estamos muitos de nós, é imprescindível para sua contínua inovação e pulsação.

Mas a verdade é muito dolorida. A cerveja não precisa de nós. Ela tem vida própria, eterna e fluída, como faz a muitos milênios. Não é minha IPA quem vai mudar o mundo. Não é minha Helles que transforma a história da humanidade. Não é uma Sour que estraga a vida de alguém. A cerveja não precisa de descrição detalhada. Não quer saber quantos IBUs ela tem, se o mash foi difícil, se o Dry Hopping deu certo. Com Brett ou sem Brett. Na madeira ou não. Brasileira ou Canadense. A bebedeira não pede passaporte da sua escola cervejeira. O chope não precisa ter 3 dedos de colarinho.

Eu preciso. Não do álcool e sua alegria e ressaca. Não do líquido insípido e volumoso. Nem de nada transformador e transcendental, mas preciso de um gole. De história, de cultura, de ciência, de sabor, de análise, de prazer. Uma gota de humanidade, de tempo, de volatilidade, de vontade. Um abraço, num copo gelado, com amargo, com frutado, com acidez, com baunilha, citricidade não sei de onde.

Aquele líquido antigo, no vaso de cerâmica, grãos colhidos à mão, fermentado ao acaso, foi onde tudo começou. E de lá para cá, de grão em grão, de mão em mão, o conhecimento foi passado. Muito contamos sobre tudo que foi inventado. Da agricultura, religião, até salário. Hoje é a melhor cerveja já feita na história, ontem pode ter sido a pior. Amanhã, ninguém sabe, só se levedura profetizou. Quem é você, que tanto reclama, mas não é vidente?

Toma, que essa cerveja é tua.

Sommelier é para trabalhar. Cuidador de garrafa, treinador de lata, instrutor de Pint, técnico de escola cervejeira alemã, purificador de copo, instrutor de estilo. Carregador de bandeja, leitor de cardápio, levantamento de copo.

Sommelier é para falar de cerveja, quando é de cerveja. Cer-ve-ja. Como objeto. Como adjunto. Como provérbio. Como cultura. Como gastronomia. Como tendência. Bebo.

Sommelier é para ensinar. Sobre as boas escolhas, aquelas que nos agradam, que são estruturadas de maneiras que são harmônicas. Mostrar para as pessoas que somos diversos, divertidos, curiosos. Que toda informação importa. Que é poderoso, que é político.

Cerveja de mandioca. Ou não. Qualquer cerveja. Aquela que revoluciona você, que é sommelier. Servimos o que gostam, bebemos o que curtimos. Falamos do que é atual, do que movem as terras. Do que são nossas raízes ou do que são nossos futuros. Das que tem medalhas ou as mais quietas que veneramos. Que fazem tsiiiiii e isso nos muda horrores.

Bebe, que essa cerveja é tua.

 

 

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