Sustentabilidade da porta para fora de cervejaria também é necessário

Sustentabilidade da porta para fora de cervejaria também é necessário

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Final de ano é aquela bendita época que a gente faz promessas que de tão difíceis, parecem impossíveis. E sendo este, o último texto desde 2022, vale fazer pelo menos uma reflexão para quem sabe, levantar a lebre de uma dessas promessas impossíveis.

O assunto é espinhoso, na indústria cervejeira a gente fala demais de racionalidade industrial para apontar isso como os esforços de nossa comunidade em prol de uma realidade mais sustentável. É pouco. É insuficiente.

A verdadeira batalha pela sustentabilidade também está no uso de insumos que levam a diminuição do rastro de carbono o qual é despendido para que o produto fique pronto. Regular o uso de água e diminuir o impacto do modelo energético na fábrica é bom, mas isso é apenas parte. E parece que nossos esforços ficam sempre apenas da porta da fábrica para dentro.

Os insumos que usamos em nossas cervejas tem inúmeros problemas quando olhamos para cadeia de carbono que é gerada e gasta para que o copo chegue a cada consumidor. É extremamente comum e usual ver propagandas onde marcas batem no peito para proclamar que os insumos são todos importados, como se fossem “nobres”. O que se gasta de petróleo não é pouco, no transporte (quando importa pior ainda) ou gasto em forma de “defensivos” agrícolas ou de fertilizantes. Vejam, o papo não é de ser natureba ou não, é de ser ecologicamente responsável, pois, infelizmente o problema do aquecimento global não é brincadeira ou uma fantasia.

 

Dá porta para fora temos que olhar para insumos orgânicos

O uso de insumos orgânicos vem no sentido de produções possuam menor impacto de carbono em sua cadeia. Há um uso menor de carbono, se evitando fertilizantes e “defensivos”, o que é positivo neste esforço. Mas chegar nestes insumos (no Brasil) não é simples ou fácil.

Aqui temos diferentes problemas. Existe produção de cevada e lúpulo orgânicos no exterior, porém, para trazer é um inferno. Existe uma burocracia longa de exigência de diferentes certificados de produção orgânica por parte do Governo Brasileiro. Tem que ser de certificadoras (de produtos orgânicos) credenciadas pelo Governo Federal, e muitas vezes, não é essa que o produtor de fora usa, ou seja, tem que certificar o lote que vai ser enviado, em suma, temos um acréscimo de custo ampliando ainda mais o custo do insumo.

Além do problema de custo, tem o problema de transporte também. Quando falamos de um produto importado, envolve transporte de bens via marítimo e/ou rodoviário por longas distâncias. E aí é carbono até dizer chega.

Campo de Lúpulo.
Campo de Lúpulo. Foto: Canva

E orgânicos no Brasil?

Quase nada. São poucos os produtores de cevada orgânica e mesmo assim, nem sempre estão disponíveis a venda. Em termos de cevada, há uma iniciativa da Ambev envolvendo uma fazenda orgânica de São Paulo e no Rio Grande do Sul um produtor de cevada que faz apenas para o consumo de sua própria marca. De lúpulo, menos ainda.

Os fatores que levam a essa situação são vários. Há pouca demanda por parte das cervejarias, seja de cevada, seja de lúpulo. Não existe um movimento de cervejarias rumo ao consumo de orgânicos, logo, há pouco interesse de produzir, afinal, quem vai comprar, não é?

Outro grande problema é que produções orgânicas geralmente são inviáveis em grandes propriedades, e ao ficar a cargo dos pequenos produtores, há uma dificuldade nos custos envolvidos. Pela tecnologia para produção de orgânicos não ser tão avançada como das produções convencionais, há maiores perdas. Para piorar, existe a necessidade da manutenção de certificadoras orgânicas para provar que se faz orgânico. O produtor pode fazer tudo direitinho, mas ainda tem que provar que faz corretamente, passa mais trabalho, passa mais risco e ainda tem maior burocracia. Sim, é absurdo, quem faz orgânico tem mais dificuldades.

Dito isso, tem um problema ainda maior. É, sim, é verdade. Ao se produzir sem toda tecnologia dispendida para a agricultura não orgânica industrial de escala, devemos lembrar que Cevada e lúpulo são plantas exógenas a nosso ambiente. Cevada e lúpulo se produzem bem em regiões com padrões climáticos diferentes dos nossos. Sofrem as diferentes temperaturas, com diferentes regimes de luminosidade, de chuva. Não nasceram para estar aqui. Por conta disso, plantar organicamente é extremamente custoso e ainda mais arriscado.

Campo de milho.
Campo de milho. Foto: Canva

E agora José?

Sim, não é fácil e as essas horas você deve estar achando loucura esse papo de insumos orgânicos na cerveja. E realmente é difícil. Porém, muito passa pela necessidade de nós, produtores, apoiar e demandar por este tipo de insumo. Seja dialogar com produtores locais, pedir por subsídios para eles ou para o produto acabado (malte ou cerveja com insumos orgânicos). Outro ponto é dialogar com o Governo Federal para facilitar a importação de insumos orgânicos, flexibilizando regras e impostos. Tem muita conversa ai a ser feita.

Uma alternativa é explorar outros caminhos. E alguns textos meus durante este ano tenho advogado pela necessidade de se observar a possibilidade do uso de milho. Se nos outros textos advoguei pela questão da identidade deste cereal com a história cervejeira americana, agora o foco é em sustentabilidade.

Há inúmeras variedades de milhos, muitos adaptados a diferentes regiões da América do Sul. Tudo em tecnologia desenvolvida por povos nativos que selecionaram geneticamente o milho para melhor adaptar eles a cada região. Isso não apenas entrega milhos de diferentes cores e sabores, mas também cereais passiveis de maltear, tudo de forma mais sustentável, possibilitando produções locais e diminuindo a necessidade transporte, vide, claro, a existência de maltarias locais, outra infraestrutura que é necessária ser desenvolvida também.

Bom, eu disse, isso tudo aqui parece daquelas promessas impossíveis de fim de ano. E não, não será resolvido em um ou dois anos, é esforço para décadas de trabalho, mas traçar um planejamento por essa mudança, faz parte do nosso trabalho também. 

É dever nosso como cidadão lutar por uma sociedade melhor para todos, independente do setor ou do que a gente faz. E, trabalhando nessa área, parece que isso é algo que podemos fazer para ajudar e construir um futuro sustentável para que todos.

Se você chega ao fim deste texto um pouco desanimado pelo tamanho do pepino que temos que resolver, tente ver o copo meio cheio: pelo menos estamos falando sobre o problema. Temos de falar, debater, para aí planejar e ai executar. E se estamos aqui, eu e você, dialogando sobre isso, já é uma vitória.

Boas festas minha gente querida!

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