Xô haole!

Xô haole!

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Levedura brasiliera. Foto: Levtek

Em Florianópolis o manezinho sabe que o verão começa de verdade no início de março. É quando a grande maioria dos turistas se vão e a gente pode reclamar nossos espaços. Tem vaga de estacionamento perto da praia e na areia, não tem tanta  e o sol e a praia ficam mais gostosas como nunca. Antes disso, é aventura demais para minha velhice precoce.

Eis que, portanto, nos permitimos, eu e minha excelentíssima, ir à praia umas semanas atrás. Chegamos em Canavieiras (praia que por volta de 1700 foi tomada por espanhóis), com uma canga, protetor solar e o dinheiro contadinho para uma geladinha. Coisa rápida, era só um mergulho no início da tarde de um fim de semana qualquer.

Mergulho dado, corpo salgado, alma lavada, chegou a hora daquela geladinha. Na hora que mirei o quiosque para lá pegar uma “mainstream” qualquer, me deparo com a seguinte frase: “feita com levedura holandesa”. Já fiquei puto! Era mais uma invasão europeia naquela praia, nesta ilha, neste país.

O problema é que este tipo de invasão não é apenas tolerado, é apreciado. É uma invasão que não ocupa apenas espaços físicos, mas metafísicos, lúdicos, levando a muitos a acreditar que, pelo simples fato de usar uma levedura de fora (ou haole como manezinho fala), aquela cerveja é melhor. 

Foto do autor, feita na praia em Florianópolis.

A propaganda, ou em outras palavras, aquele “assalto metafísico” (que provavelmente foi pensado por algum brasileiro ainda por cima), clama ao raciocínio de que por ser a levedura holandesa, é mais gostosa, é melhor. Não está escrito, está implícito, como tantas outras ideias disparadas diariamente numa constante guerra filosófica por um domínio cultural. E muitas vezes, infelizmente, é fogo amigo. 

Nomes de cervejarias escritos em outras línguas, exaltação ao insumo importado, a ideia do que é dos EUA ou da Europa é melhor do que produzirmos aqui, a tal da Lei da Pureza. É a reprodução contínua e não questionada que somos inferiores, que o que fizemos ou temos aqui, é pior. O provincianismo reforçado por nós mesmos.

Por este motivo que notícias, como esta recente, divulgada pelo Laboratório da Cerveja, deve ser comemorada. Publicaram que estão vendendo uma nova levedura fermentativa. Não, não é brettanomyces, não é Saccharomyces (cerevisiae ou baianus), é uma Starmerella nomeada comercialmente de Star Brasilis. Microrganismo isolado e estudado pela UFMG, universidade com a qual a empresa assinou um contrato de transferência de tecnologia, e agora irá explorar estes novos microrganismos fermentativos BRASILEIROS. 

Levedura. Foto: Laboratório da Cerveja

E veja, não é novidade termos microrganismos brasileiros, nativos, a disposição do cervejeiro brasileiro. Desde a década passada a Cozalinda usa microrganismos brasileiros ofertados pela Levtek. Começamos com brettanomyces locais e hoje em dia, até Saccharomyces cerevisiae locais, isoladas em Floripa, usamos para produzir nossas cervejas de fermentação mista. Orgulhosamente, algumas de nossas cervejas, conseguem hoje, serem feitas com insumos Catarinenses. 

Atitudes como essas da Levtek ou do Laboratório da Cerveja, por exemplo, podem nos livrar deste pensamento provinciano de que o que é de fora é melhor. Ou mais importante que isso, devemos focar em descobrir os estilos que podemos fazer com os insumos locais. Melhor ou pior não importa, o que deve estar em primeiro lugar é descobrir a nós mesmos e apreciar isso.

Imagina uma Star Pale Ale… Pegar malte (de milho?) produzido nacionalmente, com lúpulo nacional e fermentar em temperaturas médias locais? Deixa acontecer naturalmente. Pode dar certo ou errado, mas estamos buscando realmente uma identidade local sem se preocupar em enquadrar em algum estilo. 

Em suma, o aparecimento desta nova estrela no universo de microrganismos fermentativos (e outros que devem aparecer do Projeto Manipueira), e sendo este, brasileiro, é mais uma luz no caminho a ser traçado. As empresas de levedura nacionais estão pavimentando este caminho, cabe a nós cervejeiros, trilhar e aos sommeliers divulgar. Bora deixar no passado o arcaico pensamento haole (eurocentrista ou ianque), para olhar para um futuro nosso, brasileiro. 

Que lindo nosso futuro! Até já me imaginei, em um março qualquer, num dia gostoso de praia, indo para o quiosque e ler “feita com a mais querida levedura manezinha”! Xô haoles, deixem nossas praia com a gente!

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