Comer Bem, da Dona Benta, é um clássico necessário e arcaico

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É no ano de 1940 que as mais de mil páginas do livro Comer Bem, são lançadas. Dona Benta, na verdade, é um coletivo de diferentes autores que escreveram essa obra com 42 categorias e mais de 1.500 receitas.

O sumário é uma preciosidade e vai desde uma lista básica, daquelas que super serve para quem tá casando, passando pela tradicional família brasileira com o capítulo Almoço e Jantar. As ideias de cardápios variados e usando todo tipo de ingrediente deixa muito Youtuber atual no chinelo.

Tem até a ordem clássica de um cardápio (do aperitivo, sopa, prato de copa, peixes, entradas frias, etc aos cafés, charutos e licores) e apesar de as vezes achar que é exagero, vejo que a questão de “etiqueta” ajuda mesmo as coisas se organizarem. Eu, como sommelière, tô sempre indicando que as pessoas comecem pelas cervejas mais leves, de álcool e de sabor. O livro da Dona Benta, assim como essas regras de comportamento, muitas vezes, ajudavam as pessoas nesse “flow“. Mas a questão é que muitas vezes, o discurso chega a doer, de tão machista.

Este livro não pode ser chamado de raridade, eu herdei do meu avô (e nem acho que foi ele quem comprou) a 70º edição e acho que ele tinha este livro faz bastante tempo. Até achei um recibo de 1998 de dois Cd´s comprados em São Paulo. Digo que não é uma raridade pois o livro é fácil de ser encontrado no Sebo Virtual com as versões mais antigas por R$ 6,00 cada e até na Amazon, em sua 77º edição, lançada em 2014 dá para comprar quem gosta de ter coisas super novas.

um recibo perdido dentro do livro
Fiquei curiosa para saber quais os CDs foram comprados a R$ 55,00, em 1998.
Organizando a vida na culinária.

A mulher dona de casa dos anos 1940´s 50´s, 60´s e afins usufruiu muito dos ensinamentos compartilhados.

A Farofa tá em todos os lugares importantes!

Se fosse permitido, depois do expediente de Economia Doméstica, quem sabe as mulheres não tomavam um drinque também?! E clássico, é clássico.

Drinks, que toda dona de casa merece.

 

Procurando saber e entender um pouco mais sobre a história deste livro, cheguei em uma tese muito interessante, que logo no começo, citou Pollan, para abrir os caminhos.

Então, em quem confiávamos antes de os cientistas (e, por sua vez, os governos, as organizações de saúde pública e os marqueteiros da alimentação) começarem a nos dizer como comer? Confiávamos, é claro, em nossas mães, em nossas avós e em antepassados mais distantes, o que é outra maneira de dizer: confiávamos na tradição e na cultura.

Michael Pollan

A pesquisa é a: Cozinha, Hábitos Alimentares e Comportamentos em Comer Bem/Dona Benta – da Michele Rocha Chaves (ano 2018). Como resumo, ela diz:

“Refletimos sobre o papel do livro de receitas no universo feminino ao qual era dirigido, sobre qual o papel da mulher e como o livro difunde ideais de mulher que vão para além do elemento culinário contido na obra e quais os elementos que revelam permanências ou rupturas ao longo da obra” Michele R. Chaves

E foi interessante descobrir que a obra não tem um só autor/autora. Michele tem depoimentos que dizem que os editores e suas esposas testavam e provavam as receitas e foram compilando e por fim, deram o nome de Dona Benta.

Achei muito, muito arcaico

Atualmente a mulher tem outro papel na sociedade. Ou quer dizer, ainda luta por direitos básicos, ainda é a maior responsável pela família e criação dos filhos. Mas ela não é mais a dona de casa, responsável, sozinha, pelos afazeres. O patriarcado que lute (ops, eles fazem isso desde sempre né!).

“– Uma das preocupações mais sérias de uma dona de casa é a escolha do vasilhame de cozinha.”

Na edição de 1943 esta é uma frase comum. Na tese de Michele, ela investiga quantas vezes a expressão “dona de casa” é utilizada. E descobre que “enquanto na 3ª (1943), na 49ª (1963) e na 66ª (1990) a referência à “dona de casa” permeia toda a primeira parte dos livros, na 77ᵃ (2013) edição ela é praticamente inexistente, exceto pelo trecho exemplificado acima”.

Dei uma super folheada nas páginas amareladas que meu avô deixou de herança para mim. Depois, me questionei se seria ele mesmo que teria comprado o livro ou então uma de suas 3 ou 4 esposas que teve. Em algumas páginas, encontrei receitas soltas e recortadas de revistas, um Peru com abacaxi, uma massa de torta. Com 1.500 receitas de tantas categorias, quem precisaria de receitas de revistas? A dona de casa, sempre buscado fazer diferente, não importa a geração. Agradar às pessoas com comida, sustento, sabor e calor.

Pensar que nossas bisavós, avós, mães e nós mesmas, ainda folheamos para cozinhar, é um sentimento que nos une. Donas de si.

 

Leia mais sobre o papel da mulher, o patriarcado e o mercado: AQUI, AQUI, AQUI

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