Sommelier de boutiquim?

Sommelier de boutiquim?

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Nos primórdios era uma caverna. No renascimento uma taberna. Na revolução industrial um Pub. No passado um boteco. Na pandemia, uma live. Tudo está em constante transformação. Neste momento, enquanto você lê cada pa-la-vra deste texto, um tanque de cerveja está agitado fermentando no mundo. As leveduras não se interessam pelas nossas lástimas.

Antes do curso da moda, fiz uma formação clássica brasileira: Mestrado em Artes do Boteco Com Mesa na Calçada, Isopor e Ceva Gelada. O garçom chegava dizendo “mais uma gelada mestre”? Agora é “Somme o quê? Sommelier de quem? Traiu o boteco? Esqueceu as Lagers parça de 600ml e breja trincada?” Fala sério, fala a verdade. Quanto tempo faz que você não pronuncia ENGRADADO? Tudo mudou?

Dias desses estava em uma live de lançamento cervejeiro.

O meu lado sommelier IMAGINOU uma harmonização. Era comida de boteco. Aquela que a gente não tem capacidade de produzir. Parece fácil, até simples, diriam. Uma coxinha bem recheada, 30% massa, 50% frango temperadinho, 20% daquele queijo cremoso do bom. Um jiló “fritinho”, assim no diminutivo mesmo. Como se alguém de 30 anos soubesse preparar uma relíquia butequesca dessa. Quem em casa, em tempos como esses, poderia ter tempo de fazer um sandubinha “buraco quente”? Pobres mortais que nunca imaginaram o tempo e técnica de uma carne de panela desfiada perfeita.

Me perdi no tempo, Live tem começo, meio e tu-tu-tu-tu acabou, desligou na cara da geral! Tipo o seu Zé, quando fechava o bar e recolhia as mesas, sem perguntar trazia a conta. Depois de chutada para fora da live, minhas glândulas salivares ainda estavam ativas por conta da minha mente que trabalhou esse lúdico, salivante. Imagina o quão incrível aquela NEIPA ficaria com um croquete de joelho ou uma asinha de frango? Fiquei só na imaginação. Uma sommelière de pijamas e vontades.

Já são 29 semanas e muitas matemáticas feitas por conta do que estamos vivendo atualmente. Temos saudade das pessoas. Temos saudades dos lugares. Temos saudades dos sabores e cheiros, disso tudo junto e uma taça gelada de cerveja. Na teoria, funciona bem. Mas eu preciso de prática.

O boteco é um símbolo brasileiro. O boteco é a boutique do sommelier.

– Oi, boa noite. Vim provar algumas novidades. Por enquanto estou só olhando, aceito uma água, obrigada.

Parece gente em loja de roupa. Um menu cheio de opções de chope! Quantas cores, quantos cortes, quantas tendências. O mundo cervejeiro está na moda. Saudades dos desfiles de sabores e aromas em uma tap list.

– Provou a Berliner? Escola cervejeira alemã, mas com um toque refrescante!

Menina, ouvi dizer que virou “febre” entre os gringos. Não falam de outra coisa. Tem de tantas frutas! Mas dependendo da potência e cacarecos que carrega, tem toda um “Q” de nacional. Exótico!! Tem essa?

– Temos um queijo aqui da Mantiqueira, fica incrível a combinação, quer provar?

Silêncio, o novo consumidor está descobrindo que aquilo que sempre foi feito no boteco agora tem nome, harmonização. Coisa de boutique.

– Dona Mazé fez um petisco novo e vai mandar na sua mesa.O jiló, como sempre? Bacon crocante, no comboio (rs)?

– Sempre (rs)! Essa semana tem aquela NEIPA, que os bandoleiros lançaram?

A boutique de boteco, NEIPA na fita.

Claro que eu estou romantizando. Já leu as cartas de amor de antigamente, quando não tinha Live, não tinha e-mail, não tinha telefone? O tempo madura a paixão, matura a saudade, lapida o sonho. Meu sonho sommelier é um dia na boutique. Provar pequenas doses de tantos afetos sensoriais. Porção de amendoim e azeitona acompanha.

A cerveja que tem sensorial de boteco é aquela que chega na bandeja. Aos olhos, pessoas e movimento. No aroma, uma chapa quente com picanha e pão de alho. No sabor, aquele gosto que ainda estão resolvendo se é oficial ou não: o da gordura. Sensação de vida, completude. No geral, apenas barulho, calor, cardápio, conta a vida, calcula os 10%, táxi. O primeiro gole vale cada centavo.

Quem frequenta um bar com os amigues, compartilha uma cerveja, divide uma porção, racha a conta, dá gorjeta para o atendimento, manda beijo para a cozinha, abraça gerente e diz “semana que vem a gente volta”, sabe o que são esses símbolos. Saudades de botecar. Da noite. Do ar. Do balcão. Do botequim, ou o nome que esse lugar tem para você.

Por hora eu fico com a Live e meu fogão. As vezes engordurado por saudades de uma batata frita. O mais próximo que eu chego de emular na minha casa esse desejo. A cerveja, bem mais fácil. Embalada e pronta chega como se fosse jornal. Esse seria o novo normal? O consumo mudou, o formato mudou. A moderação mudou? Menos e melhor ainda é minha filosofia, mesmo antes da pandemia. Saúde, com cauim! A Sommelier que habita em mim, de boutiquim, é mesmo muito tupiniquim.

Fim.

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